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Tribos de Roraima unem-se para eleger índio deputado federal

23/07/2014

Fonte: Valor Econômico, Política, p. A7



Documentos anexos


Tribos de Roraima unem-se para eleger índio deputado federal

Raphael Di Cunto
De Boa Vista

Preocupados com a crescente influência da bancada ruralista e a pressão para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que revisa a demarcação de terras indígenas, os líderes das dez tribos de Roraima decidiram pela primeira vez indicar um candidato a deputado federal e outro a estadual para chamar atenção para as causas indígenas e combater a cobiça do agronegócio e mineradoras sobre as riquezas das terras demarcadas, como a Raposa Serra do Sol.
Ao contrário de outras eleições, em que as tribos apoiavam candidatos dispares e até pessoas de fora, os tuxauas (como são chamados os caciques no Estado) bateram o martelo neste fim de semana para focar os votos na candidatura de dois índios: o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário Nicácio (PCdoB) a deputado estadual e o ex-assessor do Instituto Socioambiental (ISA) Aldenir Wapichana (PT) para federal.
Os líderes de várias aldeias criaram regimentos internos para impedir a comprar votos, comum em relatos dos próprios índios, e até proibir que candidatos brancos façam campanhas nas reservas. Quem ignorar essas regras, segundo Nicácio, será preso pelos índios e entregue para a Polícia Federal - as aldeias têm autonomia constitucional para estabelecer suas próprias leis. "A gente não pode mais ser usado pelos brancos", afirma.
Com o acesso de pessoas nas terras indígenas controlado pelos tuxauas, algumas tribos vão inclusive proibir que candidatos brancos entrem para pedir votos. "Algumas comunidades já têm sua decisão tomada: nenhum político branco vai entrar para fazer campanha, só os candidatos indígenas", diz Aldenir. A Procuradoria Regional Eleitoral em Roraima disse ao Valor não ter conhecimento destas restrições e frisou que o voto secreto é uma cláusula pétrea e, por isso, se sobrepõe ao direito de autonomia indígenas.
As aldeias são fundamentais no plano dos tuxaua de eleger um representante no Legislativo. Há 13,8 mil eleitores registrados nas 48 reservas indígenas que vão receber urnas eletrônicas, segundo o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR). Não há dados, porém, se estes eleitores são todos índios ou se há outras etnias. O CIR diz que 33 mil índios têm título eleitoral, cerca de 11% dos eleitores do Estado, e 18 mil moram nas comunidades.
A estimativa é que, para eleger um dos 24 deputados estaduais de Roraima, serão necessários seis mil votos. Já para federal, em que há apenas oito vagas em disputa, o cálculo é de 15 mil votos, número que, aliado à divisão de votos com outros três índios que se lançaram candidatos contra a indicação dos tuxaua, pode complicar os planos de eleger o segundo indígena para a Câmara dos Deputados depois de Mário Juruna, eleito pelo PDT em 1982.
O antropólogo Marcos Rufino aponta, contudo, diferenças na candidatura de Juruna e a experiência de agora em Roraima. "Seria injusto dizer que o Juruna não defendeu os direitos de seu povo. Fez isso a seu modo, colocou as questões indígenas na pauta do partido e no Congresso", diz. "Mas atuou isoladamente e esteve descolado das demandas das organizações".
Ex-cacique da aldeia xavante Namurunjá, no Mato Grosso, Juruna foi eleito pela população branca do Rio de Janeiro, que viu nele um "Tiririca" a circular pelos corredores de Brasília com gravador em punho para registrar as "promessas não cumpridas do homem branco". Ele atuou independentemente das organizações indígenas e foi muitas vezes criticados por elas. Depois de não conseguir se reeleger, foi abandonado por sua tribo e morreu na miséria.
Atualmente os índios avaliam que têm cerca de 15 deputados federais que simpatizam com suas causas, mas que não fazem frente à bancada do agronegócio. "Todos têm representantes no Congresso. Há médicos, advogados, ruralistas, brancos, negros, japoneses. Todos menos os índios", diz Nicácio. "As pessoas estão nos atacando do Legislativo e a questão indígena não é uma agenda posta em discussão. Só com a eleição de um de nós é que isso vai mudar."
Se Nicácio e Adenir forem eleitos, não espere que andem nus e de cocar pelo Legislativo, como faria supor o imaginário popular. "Não posso viver aqui sem roupa. Estou em outra comunidade onde os costumes são diferentes", diz o coordenador do CIR. Ambos deixaram suas aldeias cedo para morar na cidade e desde então não voltaram a viver diariamente lá.
Aldenir, de 34 anos, concluiu apenas o ensino médio e foi assessor jurídico do CIR por três anos, até que ingressou no Instituto Socioambiental em 2005 para trabalhar no departamento de comunicação. Nicácio, 31 anos, se formou em administração de empresas, com habilitação em sistemas de informação, e fez curso de técnico agrícola e de gestão ambiental em universidades de Roraima. Deixou sua aldeia com 13 anos, trabalhou em projetos do Ministério do Meio Ambiente e desde 2011 é coordenador-geral do CIR, onde administra uma casa doada pela igreja católica em Boa Vista para acolher índios que chegam à capital.
No Congresso, Aldenir promete priorizar emendas parlamentares para obras nas terras indígenas, a negociação de um novo Estatuto do Índio, que já tem mais de 40 anos. Diz ainda que combaterá a PEC 215, que transfere do governo federal para o Congresso a decisão sobre a demarcação de terras indígenas, e projetos de lei que autorizam a mineração e construção de hidrelétricas nas reservas.
Apesar dos planos, Aldenir ainda não começou sua campanha para deputado federal. Aguarda ajuda financeira do PT para contratar equipe e rodar as aldeias, algumas só acessíveis de barco. "Fiz uma estimativa e vou precisar de uns R$ 60 mil ou R$ 80 mil para visitar as 12 regiões mais acessíveis e levar o nome da senadora [Ângela Portela, do PT, que é candidata ao governo], mas ainda não consegui falar com ela ", diz.
Sem o dinheiro do partido, afirma, "ainda não deu para sair do lugar". Entre os índios há quem diga que o petista vai abandonar a candidatura por falta de apoio do partido - a coligação estima eleger de um a dois deputados e o presidente estadual do PT, Titonho Bezerra, também é candidato. "Independentemente de quem for eleito, a candidatura do Aldenir é importante para nossa estratégia no Estado e para fortalecer o nome do PT na questão indígena", diz Titonho.
Já Nicácio diz que a candidatura a deputado estadual necessita de menos votos e, portanto, menor estrutura. Ele mira doações nas próprias comunidades para financiar o material e equipamento. "Só em salários dos professores indígenas são R$ 27 milhões por ano. Se cada um ajudar um pouco vai ser suficiente", planeja. Além disso, a economia das aldeias é movimentada pela agricultura de subsistência, piscicultura e criação de 60 mil cabeças de gado.
A candidatura dos indígenas é a forma de o PT se reaproximar das tribos, que andam insatisfeitas com o tratamento do governo federal. De acordo com relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgado há uma semana, a gestão Dilma Rousseff foi a que menos demarcou terras indígenas desde 1985. Por outro lado, a demarcação da Raposa Serra do Sol, assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agravou as resistências dos produtores rurais ao partido e o PT não vence uma eleição em Roraima desde 2002. Atualmente, a sigla não tem deputado federal nem estadual.
Ajudou nesta reaproximação com o PT o fracasso da ex-senadora Marina Silva (PSB) em criar seu próprio partido, o Rede Sustentabilidade, para disputar esta eleição. Lideranças do CIR montaram até comitês para coletar de assinaturas, mas como o registro não foi aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os votos devem ser direcionados a Dilma. "Se a Marina fosse a candidata, seria outra realidade. Mas é vice e nunca ouvimos falar de Eduardo Campos [PSB]", afirma Nicácio.


PEC reserva quatro vagas na Câmara

Raphael Di Cunto
De Boa Vista

Enquanto os índios de Roraima tentam eleger seu próprio deputado federal, indígenas de outros Estados onde a população aborígene não é tão expressiva eleitoralmente aguardam a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) pelo Congresso Nacional para terem voz própria no Legislativo.
A PEC 320/13, de autoria dos deputados Nilmário Miranda (PT-MG) e Padre Ton (PT-RO), prevê a criação de quatro cadeiras na Câmara dos Deputados exclusivamente para candidatos que moram em comunidades indígenas. Eles se somariam aos 513 deputados já existentes e não haveria mudança nas câmaras municipais, assembleias legislativas ou Senado Federal.
Segundo o Censo de 2010, há 896,9 mil indígenas em todo o território nacional, somando a população que mora nas terras indígenas (63,8%) e nas cidades. A Fundação Nacional do Índio (Funai) disse não ter dados do número de eleitores indígenas no país, mas em poucos Estados essa população é expressiva a ponto de significar parcela significativa do eleitorado.
As terras indígenas, segundo a PEC, teriam tratamento análogo ao de um território e os índios poderiam escolher votar nas eleições gerais ou nas específicas para a comunidade indígena ao retirarem seus títulos de eleitores. As regras desta eleição e a distribuição geográfica das vagas seriam definidas depois, por um projeto de lei complementar.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), diz que a proposta é constitucional e aperfeiçoa o princípio da representatividade, mas que ainda não foi colocada em votação para evitar uma derrota para os ruralistas. "Assim teríamos a voz dos índios presente na Câmara, porque as vozes contrárias são muito fortes aqui", afirma.
Já o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), afirma que a bancada ruralista - que nesta legislatura tem entre 180 a 220 deputados - é contra a criação de "cotas" na Câmara dos Deputados. "Não concordo, o povo tem que estar representado proporcionalmente, sem cotas. Vamos trabalhar para não aceitar essa PEC", diz.
Para Heinze, os índios já tem voz no governo por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de parlamentares que são simpáticos a suas causas. "Não é por estarem aqui dentro do Congresso que vai mudar alguma coisa. Já existe a Funai para fazer essa interlocução, mas o problema é que ela faz políticas com viés ideológico, sem pensar no que os índios realmente precisam", afirma.

Valor Econômico, 23/07/2014, Política, p. A7

http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3622698/tribos-de-roraima-unem-se-para-eleger-indio-deputado-federal

http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3622700/pec-reserva-quatro-vagas-na-camara
 

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