De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Índios temem exploração de petróleo no Vale do Javari
13/10/2014
Fonte: FSP, Poder, p. A4
Índios temem exploração de petróleo no Vale do Javari
Reserva indígena no Amazonas fica próxima a área arrematada pela Petrobras
Matsés relatam que atuação da petroleira durante os anos 80 trouxe doenças e mortes para a região
RUBENS VALENTE NO VALE DO JAVARI
"Nossa guerra é com flecha. Todo dia a gente está conversando aqui nas aldeias. Escreve para eles ver, não queremos petróleo. Não aceitamos isso. Fala para eles que Cashispi falou isso. Que é para não entrar na área, que nós vamos flechar."
Tumi Cashispi, índio matsé que afirmou ter 70 anos de idade, se disse assustado com as notícias passadas por conhecidos de que a Petrobras vai começar a explorar gás e petróleo numa região ao sul da terra indígena que habita com índios de 12 etnias diferentes, o Vale do Javari, um santuário ecológico na fronteira do Brasil com o Peru e uma das áreas mais isoladas e intocadas do país.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Javari possui "a maior presença de povos indígenas isolados de que se tem conhecimento".
Os índios fizeram cinco reuniões para discutir a presença da Petrobras na região. A próxima deverá ocorrer em novembro, no Peru.
Cashispi disse que houve doenças e mortes nos anos 80, quando a Petrobras operou na região.
"Não seria bom Petrobras entrar na área que a gente vive. Tudo que aconteceu, temos medo. Teve até morte, ferida no corpo. Isso pode acontecer de novo."
O líder matsé Waki Mayoruna, que desde o ano passado ajuda a organizar reuniões no Javari para discutir o petróleo, atribui às atividades petroleiras do passado a morte de dezenas de índios.
"Eu não posso deixar petróleo sem respeitar a área. Índio não é a criação de problema, não. Petróleo quer criar problema com aldeia. Jogaram bomba, usaram tambor na água do igarapé. Por isso que eu assusto. [Trouxe] doença grave, índio de barrigão, vomitando sangue, tuberculose. Morreu Anacuá, Uaçá, Rosa, Maria. Morreram tudo assim."
Em setembro de 1984, um grupo de índios da etnia korubo, então isolada, massacrou a golpes de borduna dois funcionários que prestavam serviços a uma empresa contratada pela Petrobras na região do rio Itacoaí. As mortes levaram a Petrobras a paralisar suas atividades na área.
ÁREA DE EXPLORAÇÃO
Passados 30 anos, o governo federal quer tirar do papel planos de exploração em um imenso bloco de 19 mil km² que vai do norte do Acre ao sul do Amazonas. Segundo a Funai, os limites dos lotes ficam a poucos metros de sete terras indígenas, dentre as quais a Vale do Javari.
A bacia foi dividida em nove blocos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), que gastou cerca de R$ 81 milhões com as pesquisas prévias. No leilão, em novembro passado, a Petrobras arrematou o lote mais ao leste da bacia, no Acre. No último dia 26, a petroleira assinou com a ANP o contrato de concessão, que prevê prazo de oito anos para a fase de exploração e 27 anos para a produção.
Segundo a Petrobras, como se trata de uma região de fronteira, o processo teve o acompanhamento do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do Palácio do Planalto. A estatal diz que o lote não afeta terras indígenas.
Para índios e indigenistas, porém, é indiferente se os poços serão abertos dentro ou fora da terra indígena.
O coordenador regional da Funai no Vale do Javari em Atalaia do Norte (AM), Bruno Pereira, disse que os índios se ressentem da falta de informações da ANP e da Petrobras. "Eles entendem que isso vai atrair milhares de pessoas e vai ter um impacto. E o que tem acirrado os ânimos é que ninguém é consultado."
Segundo o geógrafo Conrado Rodrigo Octavio, coordenador-adjunto do CTI (Centro de Trabalho Indigenista), organização não governamental que atua no Vale do Javari, "certamente haverá uma grande reconfiguração de toda a região no entorno".
"Em toda essa região do Acre também vivem muitos grupos de índios isolados. Haverá fluxo de barcos enormes, intensa movimentação de operários e de helicópteros", disse Octavio.
Em dezembro, a oficial de projetos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, Thaís Fortuna, e representantes da Funai estiveram em reunião com os matsés para falar sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT, que prevê a consulta aos índios para empreendimentos que afetem seu território.
Os matsés vivem dos dois lados da fronteira Brasil-Peru. Há cerca de dois anos, os índios matsés do Peru expulsaram das aldeias funcionários da petroleira canadense Pacific Rubiales e do governo peruano que procuravam convencê-los a autorizarem obras na região.
No trecho entre Tabatinga e Javari, a Folha viajou em avião e barco usados pela Funai.
Outro lado
Lote está fora de reserva indígena, diz Petrobras
ANP afirma ter excluído todas as áreas com restrições ambientais do leilão dos lotes, realizado em 2013
RUBENS VALENTE NO VALE DO JAVARI
A ANP (Agência Nacional de Petróleo) afirmou ter recebido "recomendação" da Funai para "adequar" o bloco arrematado pela Petrobras na Bacia do Acre, "de modo que ele se distanciasse da região do Vale do Javari".
A ANP também afirmou ter "excluído todas as áreas com restrições ambientais antes de selecionar os blocos" que foram a leilão para exploração de gás e petróleo, dentre os quais, a Bacia do Acre.
"As áreas selecionadas tiveram o aval dos órgãos estaduais de meio ambiente dos Estados do Acre e do Amazonas", afirmou a ANP.
A Petrobras informou que "dará início ao processo de licenciamento ambiental" antes do início das atividades de exploração.
"Caso seja constatada a interface da atividade com terras indígenas, durante o licenciamento ambiental, será feita consulta aos órgãos competentes sobre a necessidade de informações ou estudos específicos", informou a companhia, ressaltando que o bloco "não se superpõe à região do Vale do Javari".
No processo aberto pela ANP, o coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, Carlos Lisboa Travassos, afirmou que "uma das regiões em que foi registrada a presença de índios isolados no exterior dos limites físicos da Terra Indígena Vale do Javari foi na porção sul da referida terra indígena, justo ponto assinalado pelo processo" na ANP.
"Não recomendamos que qualquer atividade de exploração de petróleo ocorra nos limites sul da Terra Indígena Vale do Javari, em distância menor de 25 quilômetros, com exceção da área da cidade de Ipixuna e adjacências", disse a Funai.
FSP, 13/10/2014, Poder, p. A4
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/190416-indios-temem-exploracao-de-petroleo-no-vale-do-javari.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/190418-lote-esta-fora-de-reserva-indigena-diz-petrobras.shtml
Reserva indígena no Amazonas fica próxima a área arrematada pela Petrobras
Matsés relatam que atuação da petroleira durante os anos 80 trouxe doenças e mortes para a região
RUBENS VALENTE NO VALE DO JAVARI
"Nossa guerra é com flecha. Todo dia a gente está conversando aqui nas aldeias. Escreve para eles ver, não queremos petróleo. Não aceitamos isso. Fala para eles que Cashispi falou isso. Que é para não entrar na área, que nós vamos flechar."
Tumi Cashispi, índio matsé que afirmou ter 70 anos de idade, se disse assustado com as notícias passadas por conhecidos de que a Petrobras vai começar a explorar gás e petróleo numa região ao sul da terra indígena que habita com índios de 12 etnias diferentes, o Vale do Javari, um santuário ecológico na fronteira do Brasil com o Peru e uma das áreas mais isoladas e intocadas do país.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Javari possui "a maior presença de povos indígenas isolados de que se tem conhecimento".
Os índios fizeram cinco reuniões para discutir a presença da Petrobras na região. A próxima deverá ocorrer em novembro, no Peru.
Cashispi disse que houve doenças e mortes nos anos 80, quando a Petrobras operou na região.
"Não seria bom Petrobras entrar na área que a gente vive. Tudo que aconteceu, temos medo. Teve até morte, ferida no corpo. Isso pode acontecer de novo."
O líder matsé Waki Mayoruna, que desde o ano passado ajuda a organizar reuniões no Javari para discutir o petróleo, atribui às atividades petroleiras do passado a morte de dezenas de índios.
"Eu não posso deixar petróleo sem respeitar a área. Índio não é a criação de problema, não. Petróleo quer criar problema com aldeia. Jogaram bomba, usaram tambor na água do igarapé. Por isso que eu assusto. [Trouxe] doença grave, índio de barrigão, vomitando sangue, tuberculose. Morreu Anacuá, Uaçá, Rosa, Maria. Morreram tudo assim."
Em setembro de 1984, um grupo de índios da etnia korubo, então isolada, massacrou a golpes de borduna dois funcionários que prestavam serviços a uma empresa contratada pela Petrobras na região do rio Itacoaí. As mortes levaram a Petrobras a paralisar suas atividades na área.
ÁREA DE EXPLORAÇÃO
Passados 30 anos, o governo federal quer tirar do papel planos de exploração em um imenso bloco de 19 mil km² que vai do norte do Acre ao sul do Amazonas. Segundo a Funai, os limites dos lotes ficam a poucos metros de sete terras indígenas, dentre as quais a Vale do Javari.
A bacia foi dividida em nove blocos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), que gastou cerca de R$ 81 milhões com as pesquisas prévias. No leilão, em novembro passado, a Petrobras arrematou o lote mais ao leste da bacia, no Acre. No último dia 26, a petroleira assinou com a ANP o contrato de concessão, que prevê prazo de oito anos para a fase de exploração e 27 anos para a produção.
Segundo a Petrobras, como se trata de uma região de fronteira, o processo teve o acompanhamento do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do Palácio do Planalto. A estatal diz que o lote não afeta terras indígenas.
Para índios e indigenistas, porém, é indiferente se os poços serão abertos dentro ou fora da terra indígena.
O coordenador regional da Funai no Vale do Javari em Atalaia do Norte (AM), Bruno Pereira, disse que os índios se ressentem da falta de informações da ANP e da Petrobras. "Eles entendem que isso vai atrair milhares de pessoas e vai ter um impacto. E o que tem acirrado os ânimos é que ninguém é consultado."
Segundo o geógrafo Conrado Rodrigo Octavio, coordenador-adjunto do CTI (Centro de Trabalho Indigenista), organização não governamental que atua no Vale do Javari, "certamente haverá uma grande reconfiguração de toda a região no entorno".
"Em toda essa região do Acre também vivem muitos grupos de índios isolados. Haverá fluxo de barcos enormes, intensa movimentação de operários e de helicópteros", disse Octavio.
Em dezembro, a oficial de projetos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, Thaís Fortuna, e representantes da Funai estiveram em reunião com os matsés para falar sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT, que prevê a consulta aos índios para empreendimentos que afetem seu território.
Os matsés vivem dos dois lados da fronteira Brasil-Peru. Há cerca de dois anos, os índios matsés do Peru expulsaram das aldeias funcionários da petroleira canadense Pacific Rubiales e do governo peruano que procuravam convencê-los a autorizarem obras na região.
No trecho entre Tabatinga e Javari, a Folha viajou em avião e barco usados pela Funai.
Outro lado
Lote está fora de reserva indígena, diz Petrobras
ANP afirma ter excluído todas as áreas com restrições ambientais do leilão dos lotes, realizado em 2013
RUBENS VALENTE NO VALE DO JAVARI
A ANP (Agência Nacional de Petróleo) afirmou ter recebido "recomendação" da Funai para "adequar" o bloco arrematado pela Petrobras na Bacia do Acre, "de modo que ele se distanciasse da região do Vale do Javari".
A ANP também afirmou ter "excluído todas as áreas com restrições ambientais antes de selecionar os blocos" que foram a leilão para exploração de gás e petróleo, dentre os quais, a Bacia do Acre.
"As áreas selecionadas tiveram o aval dos órgãos estaduais de meio ambiente dos Estados do Acre e do Amazonas", afirmou a ANP.
A Petrobras informou que "dará início ao processo de licenciamento ambiental" antes do início das atividades de exploração.
"Caso seja constatada a interface da atividade com terras indígenas, durante o licenciamento ambiental, será feita consulta aos órgãos competentes sobre a necessidade de informações ou estudos específicos", informou a companhia, ressaltando que o bloco "não se superpõe à região do Vale do Javari".
No processo aberto pela ANP, o coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, Carlos Lisboa Travassos, afirmou que "uma das regiões em que foi registrada a presença de índios isolados no exterior dos limites físicos da Terra Indígena Vale do Javari foi na porção sul da referida terra indígena, justo ponto assinalado pelo processo" na ANP.
"Não recomendamos que qualquer atividade de exploração de petróleo ocorra nos limites sul da Terra Indígena Vale do Javari, em distância menor de 25 quilômetros, com exceção da área da cidade de Ipixuna e adjacências", disse a Funai.
FSP, 13/10/2014, Poder, p. A4
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/190416-indios-temem-exploracao-de-petroleo-no-vale-do-javari.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/190418-lote-esta-fora-de-reserva-indigena-diz-petrobras.shtml
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