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Presidente da Funai não exonera servidor e tensão volta ao Vale do Javari

07/03/2016

Autor: Elaíze Farias

Fonte: Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br



O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Gonçalves, se reuniu na última sexta-feira (04), na Câmara Municipal de Atalaia do Norte, no Amazonas, com mais de 200 indígenas das etnias Matís, Marubo, Mayoruna, Kulina e Kanamari, muitos deles participantes do protesto contra o órgão que durou 34 dias. No entanto, o presidente não exonerou o coordenador regional Bruno Pereira como havia prometido quando negociou o fim da ocupação. Revoltados, os indígenas ameaçam novos protestos se o servidor não sair este mês.

A exoneração havia sido prometida ao líder Marcelo Marke Matís, conforme sua declaração à Amazônia Real, durante as negociações para que os indígenas desocupassem o prédio da Coordenação Regional da Funai em Atalaia do Norte. Em nota, a Funai disse na mesma época que Gonçalves iria dialogar e abrir um processo de discussão de substituição do coordenador regional.

Segundo a liderança Clóvis Rufino Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a reunião com o presidente da Funai "foi dura, em tom de discussão pesada".

"Inicialmente, ele [João Pedro] falou que não iria exonerar. Depois disse que ainda iria consultar o pessoal [da Coordenação Técnica do rio Juruá, que fica no Acre e é vinculada à CR do Vale do Javari] e que poderia exonerar só em abril. Depois de muita conversa, com as lideranças falando firme, é que ele aceitou exonerar em março. Mas mesmo assim ainda houve lideranças que não acreditaram totalmente, ficaram em dúvida. Por isso que os Matís afirmaram que se até o final de março não sair a portaria (de exoneração), eles vão voltar (a ocupar o prédio). E não será mais só os Matís, mas todos os outros povos", afirmou Clóvis Marubo.

Clóvis Marubo disse que o clima de tensão entre as lideranças foi grande desde a chegada de João Pedro à Atalaia do Norte, pois ele foi à reunião escoltado por agentes da Polícia Federal. As lideranças estavam com os corpos pintados de jenipapo e com flechas nas mãos e se sentiram intimidadas com a presença dos policiais. A reportagem apurou que é comum o titular da presidência da Funai ser acompanhado de policiais civis ou federais em áreas de conflito. O que chamou atenção dos indígenas, porém, foi a quantidade de agentes, dez policiais, durante a reunião.

"Eles protestaram contra a escolta dada ao presidente da Funai. Disseram que estavam ali para conversar e que não eram bandidos. Falaram que se era para levar policial federal, isso deveria ser feito para fiscalizar a terra indígena de invasores", disse Clóvis Marubo.

A Funai foi procurada na última sexta-feira (04) pela Amazônia Real para que o órgão se pronunciasse sobre a reunião e as providências que deverão ser tomadas pelo presidente do órgão. A Funai também foi indagada sobre o motivo da presença de policiais federais acompanhando João Pedro Gonçalves. Até o momento, a assessoria de imprensa não respondeu.

Os indígenas Matís, Marubo, Mayoruna, Kanamari e Kulina da Terra Indígena do Vale do Javari ocuparam a sede da Coordenação Regional da Funai no dia 19 de janeiro de 2016. A sede fica em Atalaia do Norte, localizada no oeste do Amazonas, fronteira com o Peru, a 1.338 quilômetros de Manaus . Eles pediram a exoneração do Bruno Pereira porque ele teria desrespeitado e ameaçado as lideranças Matís durante o ápice do conflito entre essa etnia e os índios isolados Korubo.

Segundo a Funai, o conflito aconteceu em 2014, quando dois índios Matís e ao menos oito Korubo morreram. No protesto, as lideranças reivindicam também a segurança e o monitoramento das aldeias na terra indígena para evitar novos conflitos entre essas duas etnias.

No dia 23 de fevereiro, as lideranças desocuparam a sede da fundação. A negociação que pôs fim ao protesto, segundo um dos líderes Marke Matís, foi feita pelo presidente da Funai, João Pedro Gonçalves em conversa por telefone.

"Nós negociamos com o João Pedro para desocupar a Funai. Ele falou que quando chegar aqui no dia 2 de março vai exonerar o Bruno", afirmou Marke Matís.


Remoção e substituição de cargos


Em entrevista à reportagem, Clóvis Marubo disse que na reunião com o presidente João Pedro Gonçalves as lideranças indígenas não permitiram a entrada de funcionários da CR da Funai na Câmara Municipal de Atalaia do Norte.

Na reunião da última sexta-feira, conforme Clóvis Marubo, as lideranças entregaram uma carta com 14 reivindicações nas áreas de segurança, fiscalização e educação, elaborada no dia 02 de março, em assembleia das lideranças da TI Vale do Javari. Na carta, eles também pedem a remoção dos servidores Danielle Brasileiro e de seu esposo, Jorge Westen. Segundo os indígenas, Danielle Brasileiro, Jorge Westen e Bruno Pereira "formaram um trio, criando a instabilidade de diálogo e entre indígenas e Funai de Atalaia do Norte, criando um clima de tensão".

No dia 1o de fevereiro, os dois assinaram uma carta enviada à diretora da Funai com outros 25 servidores do órgão que atuam na Coordenação Regional do Vale do Javari, onde relatam as dificuldades de atuação no Vale do Javari devido à estrutura precária, apresentam reivindicações de melhorias e manifestam apoio a Bruno Pereira. Procurada pela reportagem, Danielle Brasileiro disse que sua resposta em relação ao pedido dos indígenas "está na carta enviada à diretoria da Funai".

Na proposta das lideranças, Bruno Pereira seria substituído por um nome indígena. Os nomes cotados para assumir os cargos são Darcy Marubo, Manoel Chorimpa e Beaux Matís. Na carta não consta o pedido de exoneração de Beto Marubo, atual coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, como citado anteriormente pelas lideranças do protesto.

Clóvis Marubo disse que o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, também prometeu realizar em abril um seminário para discutir o plano de ação da Funai no Vale do Javari e a criar um comitê gestor da coordenação regional. Disse ainda que deverá participar de um encontro binacional promovido pelos indígenas do povo Mayoruna, na região do rio Jaquirana. O rio é o divisor entre os territórios brasileiro e peruano.

"Ele veio aqui com uma conversa, mas foi pressionado e disse que saía comprometido com a gente. O que se espera é que ele resolva o problema, principalmente em relação ao coordenador. Será importante para ele cumprir o que afirmou. Vamos dar essa credibilidade e acompanhar o que ele vai fazer", afirmou Clóvis Rufino.

Jorge Marubo, também liderança da Univaja, disse à reportagem que outra reivindicação apresentada pelos indígenas na reunião com o presidente João Pedro foi o fortalecimento das estruturas da Coordenação Regional e da Frente Etnoambiental do rio Itacoaí e do rio Curuçá, dentro da terra indígena. A Frente é responsável por monitorar a presença de grupos indígenas isolados na região.


Vigilância, segurança e educação


A agência Amazônia Real teve acesso a carta apresentada pelas lideranças Matís, Marubo, Mayoruna, Kanamari e Kulina ao presidente da Funai. Entre as reinvindicações, eles pedem a criação de uma Coordenação Técnica Local (CTL) no rio Branco, dentro da Terra Indígena Vale do Javari, com estrutura e condições de fiscalização de monitoramento dos índios Korubo e Matís. Para coordenar a CTL no rio Branco, eles indicaram o indígena Binã Makwananté Matís.

Na carta, as lideranças pediram ainda que a Funai acelere a nomeação do servidor Marcos Monteiro para CTL do Rio Itacoaí, além de melhorar as estruturas das CTL do Alto Rio Curuçá, do médio Rio Javari e do Médio e Alto Rio Ituí, para funcionamento da vigilância com condições nas sub-regiões da terra indígena do Vale do Javari.

As lideranças também querem a criação de uma CTL de vigilância no Rio Batan, onde vivem os índios Mayoruna. Segundo os indígenas, a área tem sido alvo de invasão de pessoas vindas do Estado do Acre, da região do município de Cruzeiro do Sul, colocando em risco os grupos de índios isolados que vivem na região.

Os indígenas pediram no documento que a Funai articule com o Ministério da Educação (MEC) a construção de polos de educação escolar indígena para o funcionamento do ensino fundamental nas próprias aldeias. Também pediram providências para que a Funai atue institucionalmente junto ao Exército, Polícia Federal e Ibama na criação de ações nos limites do Médio Rio Javari e Alto Rio Jaquirana, com a finalidade de inibir a atuação ilegal de extratores e na proteção ao meio ambiente e as vidas dos indígenas que habitam nos limites da área de fronteiras do vale do javari.

Na carta encaminhada ao presidente da Funai, a Univaja diz que a Terra Indígena Vale do Javari tem mais de 12 povos, sendo que seis são contatados. Há 37 referências de grupos que vivem em isolamento e que não querem contato com a sociedade. "Esta área, localizada na tríplice fronteira, precisa de implantação de uma política de segurança nacional, com estratégia de ações efetivas e eficazes", diz trecho da carta.

A Amazônia Real cobriu o protesto dos índios Matís, Marubo, Mayoruna, Kanamari e Kulina e entrevistou as principais as lideranças, sertanistas e representantes da Funai.

Carlos Lisboa Travassos, titular da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, revelou que após o conflito em 2014, na Terra Indígena Vale do Javari, os índios Matís capturaram crianças durante um contato com os isolado Korubo, em 26 de setembro de 2015. Semanas depois do contato, os Matís invadiram o acampamento, no momento em que a Funai e funcionários da Secretaria de Saúde Indígena desenvolviam o plano de contingência, com rígidos protocolos e procedimentos de quarentena, que impede o contágio de doença como gripes nos Korubo.

"Nessa invasão [ao acampamento] não houve rapto de ninguém. O servidor Fabrício Amorim foi preso [pelos Matís] durante o deslocamento dos Korubo do local onde estavam para outro mais adequado (...). Como já dito, o contato com o grupo Korubo foi efetivado pelos Matís por meio de coerção. Nesse contexto, o desejo dos Matís em terem os Korubo junto não se sobrepôs ao desejo dos Korubo em saírem dali. Jamais pactuaríamos com isso. É importante deixar bem claro que o Bruno (Bruno Pereira, coordenador da Funai em Atalaia do Norte) não ameaçou os Matís. Como coordenador, ele tinha consciência de seu dever institucional. (...) Nossos servidores estavam lá para salvar e proteger vidas, e não o contrário".
 

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