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Interpol investiga furto de cachimbo indígena pré-colonial de exposição no DF; Secretaria de Cultura cita 'valor inestimável'

16/08/2024

Autor: Leonardo Marchetti

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com



Em entrevista ao GLOBO, gerente de coleções arqueológicas do Museu Nacional afirma que furto da peça representa uma perda significativa, já que é um raro exemplar associado ao povo Tapajó e indígenas Globoamazônicos

Um mistério ainda paira em torno da exposição "BioOCAnomia Amazônica", do museu interativo SESI Lab, em Brasília. No último dia 25 de julho, a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) foi acionada depois que um cachimbo indígena histórico, que estava exposto dentro de uma vitrine de vidro, desapareceu do centro cultural monitorado por câmeras. Trata-se de uma fornalha de cachimbo da etnia Tapajó, de valor inestimável, que integrava o acervo da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF) desde janeiro de 1999.

Até então, a peça nunca havia sido emprestada a nenhuma instituição. Por isso, para a fornalha de cachimbo ser cedida à exposição, o SESI Lab foi submetido a um processo de segurança padrão, como pagamento de seguro e exigência de câmera e segurança no local. No entanto, o item acabou sendo furtado de uma sala no primeiro andar do museu.

- Qualquer bem cultural só é emprestado para uma exposição que garante segurança. Então, eles têm que comprovar câmeras, segurança e a gente ainda pede um seguro para evitar que esse tipo de coisa aconteça. No entanto, infelizmente, o Brasil é um país que preza pouco pelos seus bens culturais. Apesar disso, temos esperança que essa peça seja devolvida aos acervos da Secretaria de Cultura - afirma o subsecretário de Patrimônio Cultural do Distrito Federal, Felipe Ramón, em entrevista ao GLOBO.

Naquele 25 de julho, quando aconteceu o furto da peça, o SESI Lab alegou que "o museu estava recebendo um alto volume de público, por conta da gratuidade e período de férias escolares".

Antes de seguir para o SESI Lab de forma temporária, o artefato, que tem cerca de 5 centímetros e foi localizado pelo antropólogo Eduardo Galvão há décadas, estava no Memorial dos Povos Indígenas, também em Brasília. Não é possível, no entanto, estimar a idade e nem o preço do item.

- O preço da peça é inestimável. Seu principal valor é cultural e histórico e não monetário. A peça é de origem Tapajó e compunha o acervo que Eduardo construiu com a antropóloga e etnóloga Berta Ribeiro - acrescenta Ramón.

Em entrevista ao GLOBO, o Gerente de Coleções Arqueológicas do Museu Nacional, Mario Junior Alves Polo, explicou sobre a essência do "valor inestimável" para uma peça arqueológica.

- A princípio, todos os bens arqueológicos possuem valor inestimável. São bens únicos e insubstituíveis, com recursos finitos e que não podem ser reproduzidos (a não ser enquanto réplicas), além de terem sido produzidos por grupos humanos localizados no passado. A ideia de valorar financeiramente um artefato arqueológico é muito capciosa. Em primeiro lugar, no Brasil, o patrimônio arqueológico é bem da União e, portanto, sua comercialização é crime. Valorar um item deste tipo é uma ação que pode facilitar condutas associadas à comercialização ou ao colecionismo - explica o arqueólogo.

Assim que foi dada a falta do objeto, tanto a Subsecretaria de Patrimônio Cultural, quanto o SESI Lab informaram o caso à Polícia Civil do DF. Em seguida, como de praxe em casos de furto de itens do patrimônio cultural, a Interpol foi acionada. Esta medida visa o acionamento das autoridades aeroportuárias para evitar que a peça saia do país e seja ofertada em leilões ou exposta em outro museu.

- As primeiras medidas foram tomadas logo quando demos conta do sumiço. A Secretaria de Cultura, que é a proprietária do bem cultural, acionou a Interpol para evitar que a peça desse entrada em acervos internacionais. Nós temos poucas informações sobre o sumiço, pois as investigações ainda estão em andamento - conta o Subsecretário de Patrimônio Cultural do DF.

Em nota, o SESI Lab informou que "registrou boletim de ocorrência, compartilhou todas as informações disponíveis com as autoridades e aguarda a conclusão das investigações".

- É uma lástima essa ocorrência. Apesar de termos a Lei no 11.645, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, isso ainda está longe de ser realidade em todas as escolas. De forma geral, o público desconhece a diversidade dos povos indígenas e suas questões contemporâneas. Se vemos ou conversamos com um indígena usando celular, é senso comum pensar que ele já não é mais indígena por usar tecnologia - muita ignorância e desconhecimento. Precisamos avançar muito e, por isso, as exposições podem colaborar para desmistificar essas coisas - reflete Adriana Russi, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Ao GLOBO, o titular da 5ª Delegacia de Polícia do DF, Welington Barros, delegado responsável pelo caso, disse que está "analisando imagens e realizando outras diligências para recuperar o bem ou apontar o autor do furto".

Rara cerâmica do período pré-colonial
- Os cachinhos cerâmicos eram utilizados para uso de tabaco e ervas medicinais. Uma peça como essa é capaz de trazer muitas informações a respeito dos usos e costumes daquela cultura: adornos em revelo e pinturas até a análise química das ervas usadas. Tudo isso é informação de como o povo Tapajó se desenvolveu no território usando os recursos naturais disponíveis naquela época - disse André Moura, historiador e educador patrimonial, em entrevista ao GLOBO.

Para o arqueólogo Mario Junior, o furto do cachimbo cerâmico representa uma perda significativa, já que a peça é um raro exemplar associado ao povo Tapajó e indígenas amazônicos do período pré-colonial.

- Trata-se de um dos poucos exemplares de cachimbos cerâmicos inteiros associados aos povos que produziam a cerâmica Tapajó, e aos indígenas amazônicos do período pré-colonial. Elementos decorativos que compõem a peça são de alta importância, e o cachimbo possui alto potencial informativo por permitir uma série de análises. Isto inclui estudos sobre a composição da pasta cerâmica utilizada e aquelas realizadas a partir do conteúdo da fornalha do cachimbo. [O furto], portanto, pode representar a perda de informações que viriam a somar àquilo que sabemos sobre os Tapajós e grupos indígenas que habitaram na Amazônia em períodos mais remotos - afirma Mario.

Apesar de ter dado entrada no acervo da Secec-DF em janeiro de 1999, após o antropólogo Eduardo Galvão localizá-la, a fornalha de cachimbo tem a idade desconhecida.

- A datação de um vestígio arqueológico pode ser feita de 3 maneiras. Datação direta é quando o próprio item é datado em análise química, com carbono 14 ou Termoluminescência. Datação indireta é quando o objeto está em uma camada arqueológica que tem outros item já datados. A datação por comparação é menos precisa, mas já foi muito utilizada no passado: comparar o objeto com outros de conhecimento científico - detalha Moura, referenciando-se ao processo de datação de uma peça arqueológica.

Exposição BioOCAnomia Amazônica
A exposição "BioOCAnomia Amazônica", em cartaz de 19 de junho a 3 de novembro no museu interativo SESI Lab, tem como tema a "Bioeconomia e Biodiversidade", que significa cuidar da natureza e usar recursos naturais de forma inteligente. A mostra, portanto, evidencia a potência da bioeconomia para o desenvolvimento dos diferentes mundos da Amazônia, destacando a importância da conservação da biodiversidade, do respeito aos saberes originários e da mitigação dos impactos da mudança climática.

Inspirado no Exploratorium, em São Francisco, nos Estados Unidos, o SESI Lab foi projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012) e reúne ciência, arte e tecnologia. O local, por exemplo, sedia exposições temporárias e permanentes, festivais, seminários, residências artísticas, cinema e oficinas.

- O Brasil tem mais de 300 povos e cerca de 180 línguas faladas. Ou seja, são muitas culturas na região. A exposição dessas peças impacta positivamente sempre que os povos indígenas estiverem envolvidos nesses processos de curadoria de seus próprios itens. A maior parte dos museus que trabalham com objetos etnográficos vão tentar fazer com que a visita não seja só um momento de lazer, mas também um lugar de instrução para que pessoas possam conhecer as práticas culturais, línguas e a diversidade dos indígenas do Brasil - ressalta Maria Luísa Lucas, professora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com a professora, a falta de recursos e o descaso institucional com a segurança de acervos relacionados a povos indígenas são desafios significativos enfrentados por museus e centros culturais brasileiros.

- A maior parte das instituições e dos aparelhos de memória no Brasil, como museus e centros culturais, principalmente os que estão em relação direta com povos indígenas, enfrentam desafios orçamentários muito grandes. No mundo dos aparatos culturais, muito mais dinheiro vai ser destinado para outros tipos de exposições do que as que envolvem povos indígenas. Não existe uma vontade institucional de arcar com esses custos de segurança, por exemplo. Será que [a ocorrência com a fornalha de cachimbo] teria acontecido com uma obra de artistas brasileiros canônicos, como Tarsila do Amaral ou Portinari? - pondera Maria Luísa.

*Estagiário sob supervisão de Daniel Biasetto

https://oglobo.globo.com/brasil/epoca/noticia/2024/08/16/cachimbo-indigena-furtado-de-exposicao-no-df-tem-valor-inestimavel-afirma-secretaria-de-cultura-interpol-investiga.ghtml
 

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