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Gilmar Mendes aceita pedido da AGU e suspende mesa de conciliação do marco temporal
21/02/2025
Autor: Fábio Bispo
Fonte: InfoAmazonia - https://infoamazonia.org/2025/02/21/gilmar-mendes-aceita-pedido-da-agu-e-suspende-mes
Gilmar Mendes aceita pedido da AGU e suspende mesa de conciliação do marco temporal
O pedido de suspensão foi enviado pela AGU nesta quinta-feira (20) ao ministro do STF Gilmar Mendes, que incluiu no debate a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas. Uma análise exclusiva da InfoAmazonia indica que a proposta poderia legalizar mais de 890 km² de garimpo na Amazônia.
Por Fábio Bispo
21 fevereiro 2025 at 16:46
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu nesta sexta-feira (21) ao pedido da Advocacia-geral da União (AGU) para suspender as audiências da câmara de conciliação sobre a tese do marco temporal de terras indígenas. O reinício dos trabalhos foi marcado para 26 de março, e o prazo final prorrogado para 2 de abril.
A decisão do ministro ocorre menos de 24 horas após a AGU solicitar a interrupção dos trabalhos, em um documento enviado a Mendes na noite de quinta-feira (20). O órgão argumenta que as partes envolvidas na mesa precisam de mais tempo para analisar a proposta apresentada na semana passada, que inclui a liberação da exploração de minerais estratégicos e garimpo em terras indígenas.
Originalmente, a conciliação foi criada para tratar das ações enviadas ao Supremo relacionadas ao marco temporal. A tese define que apenas terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 1988, poderiam ser demarcadas.
No entanto, na última sexta-feira (14), Mendes incluiu a sugestão do advogado Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressista (PP), para liberar a mineração. Adams também advoga para a mineradora canadense Potássio do Brasil, que possui projeto aprovado para a instalação de uma mina sobre um território reivindicado pelo povo Mura, no município de Autazes, Amazonas.
Essa proposta poderia destravar 1.132 projetos com interferência direta em terras indígenas na Amazônia que estão paralisados na Agência Nacional de Mineração (ANM), de acordo com uma análise exclusiva da InfoAmazonia. O estudo identificou áreas com pedidos de mineração junto ao órgão federal que se sobrepõem a territórios indígenas ou chegam até seus limites demarcados.
Na minuta do projeto de lei apresentada à mesa, o ministro inclui somente a exploração dos minerais estratégicos, definidos de acordo com uma resolução de 2021, que classifica quais substâncias são essenciais para a segurança econômica, industrial e tecnológica do país. Estão nesta lista mais de 20 minerais, entre eles ferro, cobre, potássio, urânio e ouro.
A pauta apresentada por Gilmar Mendes prevê a exploração mineral mesmo sem a concordância das comunidades quando a atividade for declarada de "relevante interesse público da União". Além disso, poderá autorizar também o garimpo nos territórios como atividade extrativista, desde que seja realizado pelos próprios indígenas.
Texto do artigo 21 proposto por Mendes inclui exploração de minerais estratégicos como de relevante interesse da União.
Mais da metade dos 1.132 pedidos minerários com interferência em terras indígenas na Amazônia são para extração de ouro e minério de ouro, com 751 processos ativos na ANM, sendo 173 para garimpo. Os demais são para exploração de cobre, com 125 processos, sais de potássio, com 56, entre outros.
As terras indígenas mais impactadas por estes projetos de mineração seriam a Kayapó, onde estão 65 requerimentos minerários; Yanomami, com 53 projetos; e Munduruku, 46.
Devido às pressões contra a mineração em terras indígenas, novos projetos na Amazônia têm sido solicitados fora das áreas demarcadas, mas até o limite dos territórios. Segundo especialistas, isso não elimina os impactos nas terras indígenas.
É o que ocorre nas terras indígenas no sudeste do Pará, que estão praticamente cercadas por pedidos de mineração, muitos deles para cobre e níquel, ambos na lista dos minerais estratégicos. Também é o que ocorre com os pedidos de mineração de ouro e nióbio no entorno da TI Yanomami.
A reportagem também calculou a extensão dos garimpos de ouro dentro de terras indígenas que poderiam ser legalizados, caso a proposta do ministro avance no Congresso: são mais de 890 km², segundo dados do projeto Amazon Mining Watch, em 28 territórios da Amazônia. As maiores áreas de garimpos também estão nas terras Kayapó, Yanomami e Munduruku.
Os argumentos da AGU e do Ministério dos Povos Indígenas
A mesa de conciliação no STF foi criada por Gilmar Mendes em abril do ano passado. O STF já havia rejeitado a tese do marco temporal por inconstitucionalidade, mas o Congresso aprovou a lei, derrubando o veto do presidente Lula após pressão da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).
Agora, a minuta apresentada por Mendes seguiu a primeira decisão do STF, descartando a existência de um marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas. No entanto, a reunião da última segunda-feira (17) mostrou a falta de consenso: 83 dos 94 artigos da proposta foram contestados. A conciliação reúne representantes da União, Congresso, partidos políticos, Ministério Público Federal, entre outros órgãos e entidades.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmou que a pasta "foi surpreendida com a minuta apresentada, que inclui o tema da mineração com amplo detalhamento, apesar de o assunto não ter sido tratado ao longo de quase seis meses de trabalhos".
Em nota, o órgão afirmou ser "contrário à inclusão da mineração na minuta" afirmando que o assunto não foi resultado de uma "construção conjunta".
Já a AGU, em seu pedido de suspensão, argumenta que o prazo dado pelo ministro para análise das propostas foi insuficiente para uma avaliação detalhada dos impactos sociais, econômicos e administrativos das mudanças sugeridas.
O documento enviado afirma, também, que a suspensão temporária permitiria uma participação mais fundamentada no debate, garantindo maior segurança jurídica na construção de um consenso. A solicitação reforça que o próprio ministro Gilmar Mendes reconheceu a necessidade de ajustes no projeto e que a pausa contribuiria para a formulação de uma solução mais equilibrada.
'Uma decisão monocrática de um relator'
O advogado constitucionalista Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), criticou a abordagem da conciliação, afirmando que "é um equívoco pautar esse tema em um processo conciliatório". Para ele, a conciliação deveria tratar da Lei do Marco Temporal, já julgada inconstitucional pelo STF.
"A tese [do marco temporal] foi recentemente declarada inconstitucional após anos de debates. O Congresso aprovou uma lei que afronta essa decisão, e o relator instaurou um processo de conciliação sem clareza", afirmou o jurista.
Glezer destacou que essa proposta em debate na conciliação é fruto de uma decisão monocrática (individual) de Gilmar Mendes, e não do STF como um todo, o que, segundo ele, pode enfraquecer a autoridade das decisões do STF e fortalecer o papel do ministro como articulador político.
"Não é a corte como um todo, mas uma decisão monocrática de um relator. Diminui o poder e a autoridade das decisões do tribunal, aumentando seu poder como articulador político", destaca Glezer.
Não é a corte como um todo, mas uma decisão monocrática de um relator. Diminui o poder e a autoridade das decisões do tribunal, aumentando seu poder como articulador político.
Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV
Para Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), a conciliação proposta por Gilmar Mendes deturpa o papel do STF, que deveria proteger direitos fundamentais e não negociá-los. Ele destaca que o tema da exploração econômica das terras indígenas nunca foi debatido, incluindo a mineração:
"Ressoa absurda a ideia do STF negociar direitos fundamentais indígenas e apresentar proposta legislativa ao Congresso com retrocessos. Isso compromete suas funções de julgar a constitucionalidade da futura lei e de proteger direitos de minorias", explica o advogado.
Ressoa absurda a ideia do STF negociar direitos fundamentais indígenas e apresentar proposta legislativa ao Congresso com retrocessos. Isso compromete suas funções de julgar a constitucionalidade da futura lei e de proteger direitos de minorias.
Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA
Guetta lembra que a mineração em terras indígenas já foi objeto de projetos de lei ao longo do tempo, como o PL 191/2020, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que nunca houve consenso sobre para sua aprovação.
"Como o tema da mineração entrou 'de surpresa' na proposta oferecida pelo relator, não é de se descartar que tenha havido influência direta do setor mineral", suspeita o advogado. " Não se negocia direitos fundamentais, ainda mais de minorias hipossuficientes", destaca Guetta".
Mineração e garimpo são fontes de conflitos em territórios indígenas
Apesar de ter sido criada para buscar um consenso entre os dois lados do conflito, a mesa de conciliação no STF foi abandonada pelos representantes indígenas em agosto do ano passado, que denunciaram "condições inaceitáveis" para o diálogo.
Para Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a conciliação desviou-se do debate sobre a inconstitucionalidade da lei do marco temporal. "Virou uma manobra para mudar, sem debate real, conquistas protegidas pela Constituição", afirmou Karipuna à InfoAmazonia.
"O que está em jogo na câmara de conciliação é a reescrita do 'Capítulo dos Índios' da Constituição. A proposta favorece interesses privados ao prever apenas uma consulta inicial às comunidades, sem direito de veto, e ao manter brechas para a legalização do garimpo", afirma.
O que está em jogo na câmara de conciliação é a reescrita do 'Capítulo dos Índios' da Constituição. A proposta favorece interesses privados ao prever apenas uma consulta inicial às comunidades, sem direito de veto, e ao manter brechas para a legalização do garimpo.
Kleber Karipuna, coordenador da Apib
Embora proibida em terras indígenas, a mineração e o garimpo ilegal são responsáveis por uma escalada de conflitos nesses territórios. Segundo relatório do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, a extração ilegal de minérios gera impactos ambientais, sociais e culturais severos nas comunidades indígenas.
Em 2023, segundo o documento, foram registradas 261 ocorrências de exploração ilegal de minérios, sendo 176 ligadas ao garimpo e 83 à mineração ilegal. Os estados mais afetados foram Pará, Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso e Roraima, com destaque para o Pará, onde 27 terras indígenas sofreram impactos diretos da mineração e garimpo.
Além dos conflitos diretos com garimpeiros ou mineradoras, as comunidades indígenas têm sido severamente afetadas pelo uso de mercúrio, que contamina os rios e afeta a saúde das comunidades, com registros de doenças, abortos espontâneos e contaminação do leite materno. Além disso, há violência sexual e exploração de mulheres e crianças indígenas, especialmente nas terras Yanomami, Kayapó e Munduruku.
"Os nossos relatórios mostram que os indígenas já são violados pela mineração. O mais comum é que a gente diga que os territórios são atingidos pelo garimpo ilegal, mas não só, temos uma série de dados que mostram povos indígenas violados hoje por empreendimentos que estão dentro dos seus territórios ou na borda das saus terras, incluindo grandes mineradoras", explica o geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do relatório Conflitos da Mineração no Brasil.
Gilmar Mendes defende que proposta tem respaldo em corte internacional
Diante das críticas, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a proposta não elimina a necessidade de consulta às comunidades indígenas para mineração em seus territórios.
"O que a minuta prevê é a possibilidade de o presidente da República decidir seguir com a autorização, mesmo com oposição da comunidade, desde que fundamentado em razões de interesse público", afirmou o ministro em nota enviada à reportagem.
O que a minuta prevê é a possibilidade de o presidente da República decidir seguir com a autorização, mesmo com oposição da comunidade, desde que fundamentado em razões de interesse público.
Gilmar Mendes, ministro do STF
"O objetivo é restringir a interferência nas terras indígenas apenas aos recursos efetivamente essenciais ao país", disse o ministro.
Segundo Mendes, o texto não viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratado internacional que reconhece os direitos dos povos indígenas, incluindo a consulta prévia, livre e informada sobre decisões que possam afetar suas terras e modos de vida. O ministro afirma que a proposta está alinhada com um precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, datado de 4 de julho de 2024, no caso Pueblo Indígena U'wa vs. Colômbia.
No entanto, essa sentença não trata de "relevante interesse público da União" para a implantação de projetos em terras indígenas. O caso julgado tem relação com diversos projetos desenvolvidos nas terras indígenas do povo U'wa, incluindo exploração de petróleo e mineração na Colômbia. A decisão determinou que o Estado do país violou o direito dos indígenas à consulta prévia.
Procurada, a ANM afirmou que "não autoriza e nem outorga títulos de pesquisa ou exploração mineral sobrepostos a terras indígenas". A agência informou que seus sistemas não impedem que requerimentos minerais possam ser realizados sobre os territórios. "É necessário que a ANM avalie os dados geoespaciais de novas áreas requeridas e promova os devidos indeferimentos quando identificar novos requerimentos incidindo sobre terras indígenas".
https://infoamazonia.org/2025/02/21/gilmar-mendes-aceita-pedido-da-agu-e-suspende-mesa-de-conciliacao-do-marco-temporal/
O pedido de suspensão foi enviado pela AGU nesta quinta-feira (20) ao ministro do STF Gilmar Mendes, que incluiu no debate a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas. Uma análise exclusiva da InfoAmazonia indica que a proposta poderia legalizar mais de 890 km² de garimpo na Amazônia.
Por Fábio Bispo
21 fevereiro 2025 at 16:46
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu nesta sexta-feira (21) ao pedido da Advocacia-geral da União (AGU) para suspender as audiências da câmara de conciliação sobre a tese do marco temporal de terras indígenas. O reinício dos trabalhos foi marcado para 26 de março, e o prazo final prorrogado para 2 de abril.
A decisão do ministro ocorre menos de 24 horas após a AGU solicitar a interrupção dos trabalhos, em um documento enviado a Mendes na noite de quinta-feira (20). O órgão argumenta que as partes envolvidas na mesa precisam de mais tempo para analisar a proposta apresentada na semana passada, que inclui a liberação da exploração de minerais estratégicos e garimpo em terras indígenas.
Originalmente, a conciliação foi criada para tratar das ações enviadas ao Supremo relacionadas ao marco temporal. A tese define que apenas terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 1988, poderiam ser demarcadas.
No entanto, na última sexta-feira (14), Mendes incluiu a sugestão do advogado Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressista (PP), para liberar a mineração. Adams também advoga para a mineradora canadense Potássio do Brasil, que possui projeto aprovado para a instalação de uma mina sobre um território reivindicado pelo povo Mura, no município de Autazes, Amazonas.
Essa proposta poderia destravar 1.132 projetos com interferência direta em terras indígenas na Amazônia que estão paralisados na Agência Nacional de Mineração (ANM), de acordo com uma análise exclusiva da InfoAmazonia. O estudo identificou áreas com pedidos de mineração junto ao órgão federal que se sobrepõem a territórios indígenas ou chegam até seus limites demarcados.
Na minuta do projeto de lei apresentada à mesa, o ministro inclui somente a exploração dos minerais estratégicos, definidos de acordo com uma resolução de 2021, que classifica quais substâncias são essenciais para a segurança econômica, industrial e tecnológica do país. Estão nesta lista mais de 20 minerais, entre eles ferro, cobre, potássio, urânio e ouro.
A pauta apresentada por Gilmar Mendes prevê a exploração mineral mesmo sem a concordância das comunidades quando a atividade for declarada de "relevante interesse público da União". Além disso, poderá autorizar também o garimpo nos territórios como atividade extrativista, desde que seja realizado pelos próprios indígenas.
Texto do artigo 21 proposto por Mendes inclui exploração de minerais estratégicos como de relevante interesse da União.
Mais da metade dos 1.132 pedidos minerários com interferência em terras indígenas na Amazônia são para extração de ouro e minério de ouro, com 751 processos ativos na ANM, sendo 173 para garimpo. Os demais são para exploração de cobre, com 125 processos, sais de potássio, com 56, entre outros.
As terras indígenas mais impactadas por estes projetos de mineração seriam a Kayapó, onde estão 65 requerimentos minerários; Yanomami, com 53 projetos; e Munduruku, 46.
Devido às pressões contra a mineração em terras indígenas, novos projetos na Amazônia têm sido solicitados fora das áreas demarcadas, mas até o limite dos territórios. Segundo especialistas, isso não elimina os impactos nas terras indígenas.
É o que ocorre nas terras indígenas no sudeste do Pará, que estão praticamente cercadas por pedidos de mineração, muitos deles para cobre e níquel, ambos na lista dos minerais estratégicos. Também é o que ocorre com os pedidos de mineração de ouro e nióbio no entorno da TI Yanomami.
A reportagem também calculou a extensão dos garimpos de ouro dentro de terras indígenas que poderiam ser legalizados, caso a proposta do ministro avance no Congresso: são mais de 890 km², segundo dados do projeto Amazon Mining Watch, em 28 territórios da Amazônia. As maiores áreas de garimpos também estão nas terras Kayapó, Yanomami e Munduruku.
Os argumentos da AGU e do Ministério dos Povos Indígenas
A mesa de conciliação no STF foi criada por Gilmar Mendes em abril do ano passado. O STF já havia rejeitado a tese do marco temporal por inconstitucionalidade, mas o Congresso aprovou a lei, derrubando o veto do presidente Lula após pressão da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).
Agora, a minuta apresentada por Mendes seguiu a primeira decisão do STF, descartando a existência de um marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas. No entanto, a reunião da última segunda-feira (17) mostrou a falta de consenso: 83 dos 94 artigos da proposta foram contestados. A conciliação reúne representantes da União, Congresso, partidos políticos, Ministério Público Federal, entre outros órgãos e entidades.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmou que a pasta "foi surpreendida com a minuta apresentada, que inclui o tema da mineração com amplo detalhamento, apesar de o assunto não ter sido tratado ao longo de quase seis meses de trabalhos".
Em nota, o órgão afirmou ser "contrário à inclusão da mineração na minuta" afirmando que o assunto não foi resultado de uma "construção conjunta".
Já a AGU, em seu pedido de suspensão, argumenta que o prazo dado pelo ministro para análise das propostas foi insuficiente para uma avaliação detalhada dos impactos sociais, econômicos e administrativos das mudanças sugeridas.
O documento enviado afirma, também, que a suspensão temporária permitiria uma participação mais fundamentada no debate, garantindo maior segurança jurídica na construção de um consenso. A solicitação reforça que o próprio ministro Gilmar Mendes reconheceu a necessidade de ajustes no projeto e que a pausa contribuiria para a formulação de uma solução mais equilibrada.
'Uma decisão monocrática de um relator'
O advogado constitucionalista Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), criticou a abordagem da conciliação, afirmando que "é um equívoco pautar esse tema em um processo conciliatório". Para ele, a conciliação deveria tratar da Lei do Marco Temporal, já julgada inconstitucional pelo STF.
"A tese [do marco temporal] foi recentemente declarada inconstitucional após anos de debates. O Congresso aprovou uma lei que afronta essa decisão, e o relator instaurou um processo de conciliação sem clareza", afirmou o jurista.
Glezer destacou que essa proposta em debate na conciliação é fruto de uma decisão monocrática (individual) de Gilmar Mendes, e não do STF como um todo, o que, segundo ele, pode enfraquecer a autoridade das decisões do STF e fortalecer o papel do ministro como articulador político.
"Não é a corte como um todo, mas uma decisão monocrática de um relator. Diminui o poder e a autoridade das decisões do tribunal, aumentando seu poder como articulador político", destaca Glezer.
Não é a corte como um todo, mas uma decisão monocrática de um relator. Diminui o poder e a autoridade das decisões do tribunal, aumentando seu poder como articulador político.
Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV
Para Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), a conciliação proposta por Gilmar Mendes deturpa o papel do STF, que deveria proteger direitos fundamentais e não negociá-los. Ele destaca que o tema da exploração econômica das terras indígenas nunca foi debatido, incluindo a mineração:
"Ressoa absurda a ideia do STF negociar direitos fundamentais indígenas e apresentar proposta legislativa ao Congresso com retrocessos. Isso compromete suas funções de julgar a constitucionalidade da futura lei e de proteger direitos de minorias", explica o advogado.
Ressoa absurda a ideia do STF negociar direitos fundamentais indígenas e apresentar proposta legislativa ao Congresso com retrocessos. Isso compromete suas funções de julgar a constitucionalidade da futura lei e de proteger direitos de minorias.
Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA
Guetta lembra que a mineração em terras indígenas já foi objeto de projetos de lei ao longo do tempo, como o PL 191/2020, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que nunca houve consenso sobre para sua aprovação.
"Como o tema da mineração entrou 'de surpresa' na proposta oferecida pelo relator, não é de se descartar que tenha havido influência direta do setor mineral", suspeita o advogado. " Não se negocia direitos fundamentais, ainda mais de minorias hipossuficientes", destaca Guetta".
Mineração e garimpo são fontes de conflitos em territórios indígenas
Apesar de ter sido criada para buscar um consenso entre os dois lados do conflito, a mesa de conciliação no STF foi abandonada pelos representantes indígenas em agosto do ano passado, que denunciaram "condições inaceitáveis" para o diálogo.
Para Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a conciliação desviou-se do debate sobre a inconstitucionalidade da lei do marco temporal. "Virou uma manobra para mudar, sem debate real, conquistas protegidas pela Constituição", afirmou Karipuna à InfoAmazonia.
"O que está em jogo na câmara de conciliação é a reescrita do 'Capítulo dos Índios' da Constituição. A proposta favorece interesses privados ao prever apenas uma consulta inicial às comunidades, sem direito de veto, e ao manter brechas para a legalização do garimpo", afirma.
O que está em jogo na câmara de conciliação é a reescrita do 'Capítulo dos Índios' da Constituição. A proposta favorece interesses privados ao prever apenas uma consulta inicial às comunidades, sem direito de veto, e ao manter brechas para a legalização do garimpo.
Kleber Karipuna, coordenador da Apib
Embora proibida em terras indígenas, a mineração e o garimpo ilegal são responsáveis por uma escalada de conflitos nesses territórios. Segundo relatório do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, a extração ilegal de minérios gera impactos ambientais, sociais e culturais severos nas comunidades indígenas.
Em 2023, segundo o documento, foram registradas 261 ocorrências de exploração ilegal de minérios, sendo 176 ligadas ao garimpo e 83 à mineração ilegal. Os estados mais afetados foram Pará, Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso e Roraima, com destaque para o Pará, onde 27 terras indígenas sofreram impactos diretos da mineração e garimpo.
Além dos conflitos diretos com garimpeiros ou mineradoras, as comunidades indígenas têm sido severamente afetadas pelo uso de mercúrio, que contamina os rios e afeta a saúde das comunidades, com registros de doenças, abortos espontâneos e contaminação do leite materno. Além disso, há violência sexual e exploração de mulheres e crianças indígenas, especialmente nas terras Yanomami, Kayapó e Munduruku.
"Os nossos relatórios mostram que os indígenas já são violados pela mineração. O mais comum é que a gente diga que os territórios são atingidos pelo garimpo ilegal, mas não só, temos uma série de dados que mostram povos indígenas violados hoje por empreendimentos que estão dentro dos seus territórios ou na borda das saus terras, incluindo grandes mineradoras", explica o geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do relatório Conflitos da Mineração no Brasil.
Gilmar Mendes defende que proposta tem respaldo em corte internacional
Diante das críticas, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a proposta não elimina a necessidade de consulta às comunidades indígenas para mineração em seus territórios.
"O que a minuta prevê é a possibilidade de o presidente da República decidir seguir com a autorização, mesmo com oposição da comunidade, desde que fundamentado em razões de interesse público", afirmou o ministro em nota enviada à reportagem.
O que a minuta prevê é a possibilidade de o presidente da República decidir seguir com a autorização, mesmo com oposição da comunidade, desde que fundamentado em razões de interesse público.
Gilmar Mendes, ministro do STF
"O objetivo é restringir a interferência nas terras indígenas apenas aos recursos efetivamente essenciais ao país", disse o ministro.
Segundo Mendes, o texto não viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratado internacional que reconhece os direitos dos povos indígenas, incluindo a consulta prévia, livre e informada sobre decisões que possam afetar suas terras e modos de vida. O ministro afirma que a proposta está alinhada com um precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, datado de 4 de julho de 2024, no caso Pueblo Indígena U'wa vs. Colômbia.
No entanto, essa sentença não trata de "relevante interesse público da União" para a implantação de projetos em terras indígenas. O caso julgado tem relação com diversos projetos desenvolvidos nas terras indígenas do povo U'wa, incluindo exploração de petróleo e mineração na Colômbia. A decisão determinou que o Estado do país violou o direito dos indígenas à consulta prévia.
Procurada, a ANM afirmou que "não autoriza e nem outorga títulos de pesquisa ou exploração mineral sobrepostos a terras indígenas". A agência informou que seus sistemas não impedem que requerimentos minerais possam ser realizados sobre os territórios. "É necessário que a ANM avalie os dados geoespaciais de novas áreas requeridas e promova os devidos indeferimentos quando identificar novos requerimentos incidindo sobre terras indígenas".
https://infoamazonia.org/2025/02/21/gilmar-mendes-aceita-pedido-da-agu-e-suspende-mesa-de-conciliacao-do-marco-temporal/
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