De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Crédito de carbono: certificadora atrasa verificação de projetos e investidores têm perdas; entenda
21/02/2025
Fonte: OESP - https://www.estadao.com.br/
Crédito de carbono: certificadora atrasa verificação de projetos e investidores têm perdas; entenda
Atrasos, que chegam a 55 meses, ocorrem em meio à crise de credibilidade no setor; certificadora afirma que prioridade é realizar análises 'completas e detalhadas'
Luciana Dyniewicz
21/02/2025
Há cinco meses, 13 comunidades quilombolas do município de Gurupá, no Pará, aguardam para vender créditos de carbono gerados em seu território. As cerca de 2.500 pessoas que vivem ali começaram a desenvolver o projeto há três anos. Elas preservam 79,5% da área de 83 mil hectares que ocupam para produzir os créditos. O projeto, no entanto, está travado, e elas seguem dependendo dos 20,5% restantes do território, onde cultivam açaí e farinha.
Segundo Nivaldo dos Santos Nascimento, conselheiro da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Gurupá (Arqmg), e a Carbonext, empresa desenvolvedora do projeto, a paralisação decorre de prazos não cumpridos pela Verra, organização que certifica créditos de carbono em todo o mundo.
"Faz cinco meses que entregamos toda a documentação e até hoje não nos deram nenhuma posição", diz Nascimento. "Já recebemos auditor internacional. Foram levantados questionamentos. Corrigimos o que foi pedido. Nos deram ok. Aí protocolamos o pedido para os créditos serem certificados e ninguém se manifesta", acrescenta ele.
Nas comunidades de Gurupá, a expectativa é gerar cerca de um milhão de créditos por ano. Dos recursos que forem levantados e destinados aos quilombolas, 50% devem ser divididos entre os moradores e 50% devem ser aplicados em projetos que atendam à comunidade. Por ora, entretanto, os moradores do território não têm como vender esses créditos devido à falta de certificação.
O projeto de Garupá não é o único atrasado. No mercado brasileiro, há relatos de várias desenvolvedoras com prejuízos porque a certificadora não tem cumprido os prazos. De acordo com a Carbonext, seus projetos deveriam ter sido aprovados em 12 meses. A empresa, porém, tem um projeto chamado Ybyrá que está atrasado em 37 meses e outro, o Caapii, em 55 meses.
Procurada, a Verra afirmou que sua prioridade é realizar análises de projetos "completas e detalhadas". "Isso é especialmente crítico no Brasil, onde muitos projetos REDD envolvem atividades de desmatamento evitado não planejado e desmatamento evitado planejado, o que adiciona camadas de complexidade aos nossos processos de revisão. Dedicamos o tempo necessário para garantir que cada projeto atenda aos mais altos padrões de integridade, pois acertar isso é fundamental para a ação climática e para as comunidades locais."
Fundadora e CEO da Carbonext, Janaina Dallan afirma que o descumprimento de prazos começou a ocorrer há um ano e meio. Ela diz que, enquanto as certificações não saem e os créditos não podem ser vendidos, as desenvolvedoras de projetos precisam arcar com os custos de compromissos assumidos com as comunidades ou com os proprietários de terras. "Estamos colocando recursos do bolso sem ter previsibilidade. Por exemplo, precisamos fazer treinamento de brigada de incêndio. Teve muito incêndio no ano passado, e não pode ter. Nós tivemos de bancar sem saber quando poderemos vender os créditos."
Principal certificadora de créditos de carbono do mundo, a Verra está no centro de um escândalo que desestabilizou o setor, o jogou em uma crise de credibilidade e derrubou os preços do mercado. Em janeiro de 2023, o jornal inglês The Guardian, a revista alemã Die Zeit e a organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos SourceMaterial publicaram uma reportagem que mostrava que parte dos créditos de carbono reconhecidos pela Verra não compensavam emissões como deveriam. A matéria se baseava em dois estudos que mostravam que, de 29 projetos aprovados pela Verra, apenas oito apresentavam evidências de redução significativa de desmatamento.
Os projetos eram do tipo REDD, que dão aos proprietários de terra um incentivo para manterem florestas em pé. Nesse modelo, é calculado o porcentual médio de desmatamento na região da propriedade que comercializa os créditos. No ano seguinte, verifica-se quanto foi devastado. Se o dono da terra conseguiu manter mais mata do que se calculava que seria destruído, essa diferença é convertida em créditos de carbono, que podem ser revendidos a empresas interessadas em compensar suas emissões.
Os projetos da Verra superestimavam o risco de desmatamento em cerca de 400%, de acordo com estudo da Universidade de Cambridge feito em 2022 e analisados pelos jornalistas do Guardian, da Die Zeit e da SourceMaterial.
Desde o escândalo, a Verra vem anunciando medidas para tentar garantir credibilidade ao mercado, entre elas uma nova metodologia. Com as mudanças na Verra, o desenvolvedor do projeto não vai mais ser responsável por indicar qual costumava ser a média de desmatamento (a chamada linha de corte) da região do projeto. Isso deverá ficar a cargo da própria Verra, em uma tentativa de evitar que o risco de desmatamento seja superestimado. A alteração deve tornar mais difícil a geração de créditos de carbono.
Janaina Dallan, da Carbonext, afirma acreditar que a demora no processo de certificação possa estar ligada a essa crise da Verra. "Eles parecem estar um pouco receosos de liberar os créditos. Os auditores estão inseguros e têm feito questionamentos que não fazem muito sentido."
A Carbonext também já esteve envolvida em polêmicas. Em 2023, ela foi citada em reportagens sobre a suspeita de abusos por parte de empresas desenvolvedoras de projetos de carbono em contratos com povos originários. Uma matéria do site Sumaúma mostrou que a companhia havia cancelado acordos com populações indígenas que lhe dariam exclusividade para vender o carbono capturado nas terras ocupadas por esses povos. A decisão ocorreu após o procurador da República Rafael Martins da Silva levantar dúvidas sobre a realização de consulta prévia aos habitantes dos territórios.
A empresa, no entanto, afirma que obedeceu ao "protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)". Diz ter contratado intérpretes e advogados escolhidos pelos indígenas, e que a comunidade realizou audiências. "A empresa se viu obrigada a distratar os contratos, ao constatar divergências entre os órgãos públicos sobre a condução desses projetos, antes mesmo de terem começado. Não houve prejuízos para as comunidades, e apenas para a empresa, que arcou com todos os custos."
Sem demanda
O diretor de operações da desenvolvedora brCarbon, Bruno Brazil, também diz ter percebido atraso no processo da certificação. Segundo ele, não há apenas uma demora, mas também um recrudescimento da análise.
"Os atrasos não são o ideal do ponto de vista dos negócios. Mas uma análise mais contundente era necessária para impedir que projetos sem qualidade fosse comercializados", diz Brazil. "Agora, tem que ter o mesmo nível de escrutínio, só que com mais eficiência. Não dá para o processo levar dez meses quando deveria levar seis."
Brazil conta que um dos projetos desenvolvidos pela brCarbon levou quatro meses a mais do que o previsto para ser verificado. Quando os créditos foram finalmente certificados, não havia mais demanda no mercado, de acordo com o executivo. "Os créditos saíram em outubro de 2024, quando todo mundo que tinha intenção de comprar naquele ano já tinha comprado."
A safra de 2022 desse projeto (vendida em 2024) foi de 2,2 milhões de créditos. Brazil afirma que não conseguiu vender parte deles, mas não divulga quanto ficou sem ser comercializado. "Isso tem um custo financeiro para a empresa", acrescenta.
Brazil pondera, no entanto, que muitos projetos têm sido desenvolvidos sem qualidade e que, nesses casos, é natural que a certificadora necessite de mais tempo para verificar os dados. "A certificadora também depende de receber uma boa documentação. Se tem empresa entregando papéis com falhas, é claro que o processo vai demorar."
CEO da Systemica, desenvolvedora de projetos de carbono que tem o banco BTG como sócio, Munir Soares também relaciona os atrasos da Verra com a reformulação da metodologia da empresa. "Os processos de certificação atrasaram no mundo todo."
De acordo com ele, porém, no começo deste ano, os trabalhos da certificadora ganharam tração. "A gente considera que as respostas estão em uma velocidade melhor, mas não é ainda a ideal. Em janeiro, fizemos quatro reuniões com eles que estávamos esperando há seis meses."
A assessoria de imprensa da Verra afirmou que a empresa está comprometida "com a melhoria contínua". "Estamos implementando ativamente medidas, incluindo a Abordagem Baseada em Risco (RBA) e outras iniciativas de eficiência, para agilizar nossos processos de análise, mantendo nosso compromisso com a integridade. Nossa missão é promover mercados ambientais e sociais de alta qualidade por meio de alta integridade, que geram um impacto climático real. Isso significa equilibrar eficiência e rigor, e continuamos comprometidos em melhorar nossos sistemas para melhor atender as partes interessadas, mantendo os mais altos padrões."
https://www.estadao.com.br/economia/negocios/credito-carbono-certificadora-atrasa-verificacao-investidores-tem-perdas/
Atrasos, que chegam a 55 meses, ocorrem em meio à crise de credibilidade no setor; certificadora afirma que prioridade é realizar análises 'completas e detalhadas'
Luciana Dyniewicz
21/02/2025
Há cinco meses, 13 comunidades quilombolas do município de Gurupá, no Pará, aguardam para vender créditos de carbono gerados em seu território. As cerca de 2.500 pessoas que vivem ali começaram a desenvolver o projeto há três anos. Elas preservam 79,5% da área de 83 mil hectares que ocupam para produzir os créditos. O projeto, no entanto, está travado, e elas seguem dependendo dos 20,5% restantes do território, onde cultivam açaí e farinha.
Segundo Nivaldo dos Santos Nascimento, conselheiro da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Gurupá (Arqmg), e a Carbonext, empresa desenvolvedora do projeto, a paralisação decorre de prazos não cumpridos pela Verra, organização que certifica créditos de carbono em todo o mundo.
"Faz cinco meses que entregamos toda a documentação e até hoje não nos deram nenhuma posição", diz Nascimento. "Já recebemos auditor internacional. Foram levantados questionamentos. Corrigimos o que foi pedido. Nos deram ok. Aí protocolamos o pedido para os créditos serem certificados e ninguém se manifesta", acrescenta ele.
Nas comunidades de Gurupá, a expectativa é gerar cerca de um milhão de créditos por ano. Dos recursos que forem levantados e destinados aos quilombolas, 50% devem ser divididos entre os moradores e 50% devem ser aplicados em projetos que atendam à comunidade. Por ora, entretanto, os moradores do território não têm como vender esses créditos devido à falta de certificação.
O projeto de Garupá não é o único atrasado. No mercado brasileiro, há relatos de várias desenvolvedoras com prejuízos porque a certificadora não tem cumprido os prazos. De acordo com a Carbonext, seus projetos deveriam ter sido aprovados em 12 meses. A empresa, porém, tem um projeto chamado Ybyrá que está atrasado em 37 meses e outro, o Caapii, em 55 meses.
Procurada, a Verra afirmou que sua prioridade é realizar análises de projetos "completas e detalhadas". "Isso é especialmente crítico no Brasil, onde muitos projetos REDD envolvem atividades de desmatamento evitado não planejado e desmatamento evitado planejado, o que adiciona camadas de complexidade aos nossos processos de revisão. Dedicamos o tempo necessário para garantir que cada projeto atenda aos mais altos padrões de integridade, pois acertar isso é fundamental para a ação climática e para as comunidades locais."
Fundadora e CEO da Carbonext, Janaina Dallan afirma que o descumprimento de prazos começou a ocorrer há um ano e meio. Ela diz que, enquanto as certificações não saem e os créditos não podem ser vendidos, as desenvolvedoras de projetos precisam arcar com os custos de compromissos assumidos com as comunidades ou com os proprietários de terras. "Estamos colocando recursos do bolso sem ter previsibilidade. Por exemplo, precisamos fazer treinamento de brigada de incêndio. Teve muito incêndio no ano passado, e não pode ter. Nós tivemos de bancar sem saber quando poderemos vender os créditos."
Principal certificadora de créditos de carbono do mundo, a Verra está no centro de um escândalo que desestabilizou o setor, o jogou em uma crise de credibilidade e derrubou os preços do mercado. Em janeiro de 2023, o jornal inglês The Guardian, a revista alemã Die Zeit e a organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos SourceMaterial publicaram uma reportagem que mostrava que parte dos créditos de carbono reconhecidos pela Verra não compensavam emissões como deveriam. A matéria se baseava em dois estudos que mostravam que, de 29 projetos aprovados pela Verra, apenas oito apresentavam evidências de redução significativa de desmatamento.
Os projetos eram do tipo REDD, que dão aos proprietários de terra um incentivo para manterem florestas em pé. Nesse modelo, é calculado o porcentual médio de desmatamento na região da propriedade que comercializa os créditos. No ano seguinte, verifica-se quanto foi devastado. Se o dono da terra conseguiu manter mais mata do que se calculava que seria destruído, essa diferença é convertida em créditos de carbono, que podem ser revendidos a empresas interessadas em compensar suas emissões.
Os projetos da Verra superestimavam o risco de desmatamento em cerca de 400%, de acordo com estudo da Universidade de Cambridge feito em 2022 e analisados pelos jornalistas do Guardian, da Die Zeit e da SourceMaterial.
Desde o escândalo, a Verra vem anunciando medidas para tentar garantir credibilidade ao mercado, entre elas uma nova metodologia. Com as mudanças na Verra, o desenvolvedor do projeto não vai mais ser responsável por indicar qual costumava ser a média de desmatamento (a chamada linha de corte) da região do projeto. Isso deverá ficar a cargo da própria Verra, em uma tentativa de evitar que o risco de desmatamento seja superestimado. A alteração deve tornar mais difícil a geração de créditos de carbono.
Janaina Dallan, da Carbonext, afirma acreditar que a demora no processo de certificação possa estar ligada a essa crise da Verra. "Eles parecem estar um pouco receosos de liberar os créditos. Os auditores estão inseguros e têm feito questionamentos que não fazem muito sentido."
A Carbonext também já esteve envolvida em polêmicas. Em 2023, ela foi citada em reportagens sobre a suspeita de abusos por parte de empresas desenvolvedoras de projetos de carbono em contratos com povos originários. Uma matéria do site Sumaúma mostrou que a companhia havia cancelado acordos com populações indígenas que lhe dariam exclusividade para vender o carbono capturado nas terras ocupadas por esses povos. A decisão ocorreu após o procurador da República Rafael Martins da Silva levantar dúvidas sobre a realização de consulta prévia aos habitantes dos territórios.
A empresa, no entanto, afirma que obedeceu ao "protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)". Diz ter contratado intérpretes e advogados escolhidos pelos indígenas, e que a comunidade realizou audiências. "A empresa se viu obrigada a distratar os contratos, ao constatar divergências entre os órgãos públicos sobre a condução desses projetos, antes mesmo de terem começado. Não houve prejuízos para as comunidades, e apenas para a empresa, que arcou com todos os custos."
Sem demanda
O diretor de operações da desenvolvedora brCarbon, Bruno Brazil, também diz ter percebido atraso no processo da certificação. Segundo ele, não há apenas uma demora, mas também um recrudescimento da análise.
"Os atrasos não são o ideal do ponto de vista dos negócios. Mas uma análise mais contundente era necessária para impedir que projetos sem qualidade fosse comercializados", diz Brazil. "Agora, tem que ter o mesmo nível de escrutínio, só que com mais eficiência. Não dá para o processo levar dez meses quando deveria levar seis."
Brazil conta que um dos projetos desenvolvidos pela brCarbon levou quatro meses a mais do que o previsto para ser verificado. Quando os créditos foram finalmente certificados, não havia mais demanda no mercado, de acordo com o executivo. "Os créditos saíram em outubro de 2024, quando todo mundo que tinha intenção de comprar naquele ano já tinha comprado."
A safra de 2022 desse projeto (vendida em 2024) foi de 2,2 milhões de créditos. Brazil afirma que não conseguiu vender parte deles, mas não divulga quanto ficou sem ser comercializado. "Isso tem um custo financeiro para a empresa", acrescenta.
Brazil pondera, no entanto, que muitos projetos têm sido desenvolvidos sem qualidade e que, nesses casos, é natural que a certificadora necessite de mais tempo para verificar os dados. "A certificadora também depende de receber uma boa documentação. Se tem empresa entregando papéis com falhas, é claro que o processo vai demorar."
CEO da Systemica, desenvolvedora de projetos de carbono que tem o banco BTG como sócio, Munir Soares também relaciona os atrasos da Verra com a reformulação da metodologia da empresa. "Os processos de certificação atrasaram no mundo todo."
De acordo com ele, porém, no começo deste ano, os trabalhos da certificadora ganharam tração. "A gente considera que as respostas estão em uma velocidade melhor, mas não é ainda a ideal. Em janeiro, fizemos quatro reuniões com eles que estávamos esperando há seis meses."
A assessoria de imprensa da Verra afirmou que a empresa está comprometida "com a melhoria contínua". "Estamos implementando ativamente medidas, incluindo a Abordagem Baseada em Risco (RBA) e outras iniciativas de eficiência, para agilizar nossos processos de análise, mantendo nosso compromisso com a integridade. Nossa missão é promover mercados ambientais e sociais de alta qualidade por meio de alta integridade, que geram um impacto climático real. Isso significa equilibrar eficiência e rigor, e continuamos comprometidos em melhorar nossos sistemas para melhor atender as partes interessadas, mantendo os mais altos padrões."
https://www.estadao.com.br/economia/negocios/credito-carbono-certificadora-atrasa-verificacao-investidores-tem-perdas/
As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.