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Moradores do Complexo da Maré enfrentam desafios para lidar com as altas temperaturas no Rio

23/02/2025

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



Moradores do Complexo da Maré enfrentam desafios para lidar com as altas temperaturas no Rio
Estudo aponta ilhas de calor no complexo sem áreas verdes, com construções inadequadas e favelas cercadas por vias expressas

Bruna Martins

23/02/2025

O salão do restaurante de Juvanete Félix Moreira, de 56 anos, é o único cômodo com ar-condicionado. O corredor ao lado, exclusivo para o buffet do self-service, ainda consegue aproveitar parte da refrigeração, que desaparece totalmente ao passar pelo arco da entrada da cozinha. Ali, dois exaustores se esforçam para renovar o ar aquecido pelo vapor das comidas em combustão, feitas em panelões de metal debruçados sobre dois fogões. Além desses equipamentos, ela costuma usar forno e micro-ondas.

A temperatura alta da cozinha é percebida antes do arco da entrada, e a passagem por ele parece levar a uma área desértica. O vapor incomoda a pele, os olhos, atrapalha a respiração, e o suor surge quase instantaneamente. Sem uma alternativa, Juvanete revela passar cerca de dez horas por dia nessa condição. Sufocante.

O Bistrô Sabor da Maré, como é chamado, parece ser uma ilha de calor na Rua 1, na Nova Holanda, uma das 16 favelas do Complexo da Maré, na Zona Norte. Essa realidade se assemelha a própria situação do conjunto, onde comunidades apresentam temperaturas diferentes entre si e, principalmente, em relação a localidades fora do território.

- Eu cozinho junto das panelas. É um calor intenso, ainda mais impossível sem o ar-condicionado do salão. Eu costumo brincar com as pessoas de que estou no Atacama, um deserto chique. Quando me olho no espelho, sinto até que mudei de cor, me vejo mais moreninha - comenta Juvanete.

Externamente ao restaurante, o calor continua intenso, mesmo a Nova Holanda apresentando temperaturas mais baixas do que outras favelas da região, como a vizinha Nova Maré, que chega a ser 2 graus mais quente. Essa situação foi revelada em 2023, pela ONG Redes da Maré, em um estudo sobre ilhas de calor e qualidade do ar no complexo.

A pesquisa aponta uma combinação de fatores como causa do aquecimento, a exemplo, o fato de as comunidades estarem cercadas pelas movimentadas linhas Vermelha e Amarela, e pela Avenida Brasil. Outro ponto é a ausência de áreas verdes, que ajudam a amenizar a sensação térmica: em todo o território, há apenas o Parque Ecológico, localizado na Vila do Pinheiro. Além disso, o material das construções, feitas majoritariamente de tijolo cru, intensifica o desconforto.

Segundo Eliana Souza, fundadora da ONG, há uma escassez de políticas públicas voltadas às questões climáticas na Maré, que também enfrenta inundações e chuvas torrenciais:

- O calor é fruto de escolhas governamentais para as pessoas de favela. As políticas públicas são pensadas dentro de uma hierarquia social que coloca os moradores daqui abaixo dos demais. Então, não existe uma equidade na criação de soluções e, com isso, eu me refiro a um plano sistêmico, de longo prazo. Nosso estudo mapeou urgências, apontou caminhos e, mesmo assim, nossas demandas não são priorizadas.

Na última terça-feira, enquanto a cidade mantinha o auge de 44 graus, a mais alta temperatura desde 2014, uma medição do asfalto na Rua Principal, na Nova Holanda, apontava 61 graus. Na superfície das panelas de Juvanete, o termômetro escandalizou com 82. Nos becos vizinhos, moradores apontavam os desafios das moradias, na qual muitas não têm sequer janelas para ventilação.

Sandra Regina, de 70 anos, é um dos exemplos. Sua casa, na Rua do Canal, também na Nova Holanda, tem apenas um cômodo. Sem banheiro adequado, ela conta tomar banho de balde com a água de uma torneira em frente ao portão. Próximo à cama, um ventilador tenta afastar o ar quente, sua principal companhia:

- Eu nunca gostei de morar na Maré, é muito abafado. Estou planejado sair daqui até o final do ano, viver com parentes. Aqui, eu fico sozinha. Às vezes, chamo umas amigas e ficamos na frente de casa, sentadas em cadeiras, mas o calor tem impedido a frequência. Eu nunca tive ar-condicionado... quando está insuportável, a gente corre para a casa de quem tem.

Já na Rua Massaranduba, em Rubens Vaz, a favela com a maior sensação térmica do complexo, como apontam dados da Redes da Maré, Luiz Antônio de Souza, de 91 anos, enfrenta o calor com a ajuda de dois ventiladores antigos, consertados por ele mesmo. As potências se dissipam no barulho, que o atrapalha nas conversas e o impede de ouvir as visitas no portão:

- Eu procuro a Deus para me dar saúde para lidar com o calor. O ventilador é um quebra-galho. Eu contínuo morando aqui porque é preciso, mas minha família já falou que é para eu voltar para o Nordeste - reforça, explicando ter nascido na Paraíba.

Vizinha de Luiz Antônio, Adriana Paiva, de 36 anos, conta que seu maior desafio é conciliar o tempo seco e abafado às demandas respiratórias do filho João Victor, de 4, diagnosticado com asma. A casa onde moram tem apenas a janela do quarto, equipado com um ventilador.

- Quando eu busco meu filho na escola, a gente volta andando bem devagarinho. Eu vejo que ele está ofegante, cansado e falo "meu filho, não tem pressa". Ele chega em casa e logo tira a roupa, fica em frente ao ventilador, meio molinho. Eu faço nebulização nele, lavo o nariz, e toda noite ele usa bombinha.

Além do calor recorde da semana, Adriana precisou lidar com a falta de água repentina, consequência de um problema no bombeamento. Os banhos passaram a ser de balde, como Sandra Regina faz normalmente. A louça e a comida migraram para a casa da mãe, a algumas ruas de distância:

- Agora, não temos nem água para refrescar. É um banho rápido antes dele ir para a escola e eu, antes de ir para o trabalho. A água é para o essencial. E a gente vai derretendo.

Em dezembro passado, o Núcleo de Economia Circular e Clima da Redes da Maré terminou a construção de um telhado verde em Rubens Vaz. O protótipo, desenvolvido em parceria ao Programa Petrobras Socioambiental, foi construído na casa das irmãs Soraia e Saionara Claudino, de 57 e 50 anos, respectivamente. Em fases de teste, a laje de hortaliças é uma alternativa para amenizar a sensação térmica na favela:

- A equipe ainda está testando quais plantas suportam o calorão que faz aqui em cima, toda semana vem alguém analisar o desenvolvimento delas. É um orgulho muito grande a gente ter recebido esse telhado e, mesmo ainda no início, posso dizer que já sinto uma diferença - afirma Soraia. Segundo o núcleo, as medições iniciais apontam redução de até 2 graus em relação aos imóveis vizinhos.

No início do mês, a ONG conquistou o apoio da Fiocruz, do Ministério da Saúde, do arque Tecnológico da UFRJ, do Insper SP, além do financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates, para uma segunda fase do projeto de ilhas de calor e qualidade do ar na Maré. A proposta é abranger a análise dos impactos climáticos na região e do uso de tecnologias como solução.

https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/02/23/moradores-do-complexo-da-mare-enfrentam-desafios-para-lidar-com-as-altas-temperaturas-no-rio.ghtml
 

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