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Licenciamento ambiental: Funai e entidades se manifestam contra 'PL da Devastação'

26/05/2025

Autor: Mirielle Carvalho

Fonte: JOTA - https://www.jota.info/legislativo/licenciamento-ambiental-funai-e-entidades-se-manifestam-con



Licenciamento ambiental: Funai e entidades se manifestam contra 'PL da Devastação'
Entidades socioambientais defendem que, se aprovado, o PL 2159 representará 'um dos maiores retrocessos' do país

Mirielle Carvalho
26/05/2025

Em meio à expectativa de que o Projeto de Lei 2159/2021 seja analisado ainda esta semana na Câmara dos Deputados, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e diversas entidades socioambientais já se manifestaram contra a proposta, que estabelece um novo marco para o licenciamento ambiental. As organizações afirmam que o projeto é "um dos maiores retrocessos já vistos no país" e que enfraquece o licenciamento ambiental como instrumento de gestão pública, ameaçando diretamente direitos constitucionais.

O PL, apelidado pelas entidades como 'PL da Devastação', foi aprovado na última quarta-feira (21/5) no Senado Federal, por 54 votos a 13. O texto já foi aprovado pela Câmara em 2021 e, por conta das alterações, retornará para a análise dos deputados.

Em linhas gerais, a proposição unifica normas e flexibiliza o processo pelo qual o poder público autoriza e controla atividades que possam causar impacto ao meio ambiente. A tramitação do projeto é acompanhada por uma discussão longa no Congresso que contrapõe setores do agronegócio e empresariais a ambientalistas, que apelidaram o texto de "mãe de todas as boiadas".

Ao se manifestar em nota pública nesta segunda-feira (26/5), a Funai afirmou entender que a proposta representa graves retrocessos na proteção dos direitos indígenas e na preservação ambiental, além de afrontar a Constituição Federal e Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à obrigação do Estado brasileiro de promover o desenvolvimento sustentável com justiça socioambiental.
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Entre os pontos da proposta que listou como "preocupantes", a Funai lista a retirada da atribuição dos conselhos de meio ambiente da definição dos parâmetros ambientais; a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade que prevê a instalação de empreendimentos de médio porte apenas por autodeclaração do empreendedor, sem o prévio estudo de impacto; a dispensa de licenciamento para obras emergenciais, sem definição do que seja obra emergencial.

Além disso, menciona a restrição da participação dos órgãos envolvidos, incluindo a Funai, que somente será ouvida em casos de terras homologadas, além de medidas que ameaçam os direitos dos povos indígenas.

"Ao excluir a atuação da Funai em territórios indígenas não homologados e restringir a participação dos povos indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o PL 2.159 descumpre o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da OIT, bem como reafirmado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA)", diz.

Também nesta segunda-feira (26/5), a Fundação SOS Mata Atlântica chamou a proposta de "grave retrocesso ambiental". Também aponta que a emenda 102 ao PL do licenciamento ambiental insere um "jabuti" que, na prática, desmonta a Lei da Mata Atlântica. Para a fundação, a mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas.

"O texto base do PL já representava grave ameaça ao meio ambiente, por flexibilizar ou até tirar a necessidade de licenciamento de obras e empreendimentos de potencial impacto, como a construção de barragens de rejeitos - as mesmas que estouraram em Mariana e Brumadinho, deixando um rastro de morte e destruição", destacou em nota a SOS Mata Atlântica.

Para o Observatório do Clima, o texto da proposta representa o maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas, além de ampliar retrocessos do projeto que havia sido aprovado em 2021 pela Câmara dos Deputados, em especial com a Licença Ambiental Especial (LAE), sugerida em emenda de última hora por Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado.

"O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos ambientais", manifestou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 a 2018.

Já o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) disse em nota que "o Senado conseguiu piorar um projeto de lei que nasceu na Câmara dos Deputados e tinha a intenção de privilegiar interesses privados e passar a boiada definitivamente sobre as esperanças de futuro do conjunto da sociedade brasileira". De acordo com o Cimi, na contramão da necessidade urgente de políticas de Estado para enfrentar o colapso ambiental, o Congresso Nacional aposta na "desregulamentação e na devastação".

A entidade diz que o Congresso atua de forma permanente contra a Constituição, contra os direitos fundamentais e contra todos os consensos científicos. E caso a Câmara aprove o PL e o governo federal apresente ou não vetos, parciais ou integrais, o Cimi afirma que "caberá mais uma vez ao STF exercer sua missão institucional de guardião da Constituição". "Este é exatamente o momento que vive o Brasil: um momento de desconstrução efetiva e orquestrada da Constituição de 1988", sustenta a entidade.

Segundo a manifestação da WWF Brasil, o texto aprovado pelo Senado Federal compromete gravemente a proteção de territórios quilombolas, indígenas e de povos e comunidades tradicionais no país. Para a organização, tal medida gera "profunda insegurança jurídica" e penaliza duplamente os povos indígenas: primeiro pela omissão histórica do Estado em demarcar seus territórios e, agora, pela exclusão de sua voz nos processos que afetam diretamente seus modos de vida.

Além dos impactos socioambientais diretos, como aumento da poluição, desmatamento e riscos de tragédias como a de Mariana, a WWF defende que o PL do licenciamento ambiental também compromete a credibilidade ambiental do Brasil no cenário internacional. "Em um momento em que o país se prepara para sediar a COP30 em Belém, a aprovação deste projeto envia uma mensagem contraditória à comunidade global", afirma.
Projeto de lei representa um 'colapso anunciado'

Antes da aprovação do projeto no Senado, o Instituto Socioambiental (ISA) publicou na última segunda-feira (19/5) uma nota técnica sobre os principais impactos do PL do licenciamento ambiental. Por meio da nota, o ISA destaca que o texto representa uma ameaça direta à integridade de mais de 3 mil áreas protegidas, incluindo terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.

Segundo o documento do ISA, o projeto "apaga" da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 terras indígenas - ou quase um terço de todas as TIs existentes - e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas).

De acordo com o instituto, as alterações propostas pelo projeto tendem a intensificar o desmatamento e a degradação ambiental na rede de áreas protegidas do Brasil, o que poderia inviabilizar o cumprimento das metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris. Para além dos danos ambientais e sociais, o ISA diz que o texto do PL do licenciamento ambiental também sabota a segurança jurídica e financeira dos próprios empreendimentos.
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O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), também em nota pública, disse que neste momento o Brasil precisa de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental que fortaleça, e não fragilize, os instrumentos de avaliação e controle e promova o respeito ao direito das comunidades em seus territórios.

De acordo com o Inesc, da maneira em que foi aprovada no Senado, a proposta enfraquece drasticamente as bases normativas de proteção ambiental, ignora as salvaguardas previstas na Constituição e esvazia a função preventiva do licenciamento ambiental - um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981).

O Instituto diz, ainda, que o PL também não define, com clareza, os critérios para classificar o porte ou o risco das atividades minerárias. "Essa lacuna abre espaço para interpretações arbitrárias, com possibilidade de fracionamento proposital de empreendimentos para que se encaixem em categorias de menor exigência - prática comum já observada no setor", afirma.
MMA disse que 'PL é inconstitucional e pode aumentar judicialização'

Na última quarta-feira (21/5), dia em que o PL que flexibiliza o licenciamento ambiental foi aprovado, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) afirmou que o PL 2.159/2021 desestrutura o regramento consolidado sobre o meio ambiente e viola diretamente a Constituição.

A pasta chefiada por Marina Silva considera que a proposição amplia o risco de judicialização e pode provocar atrasos e conflitos para o processo de licenciamento. Com a nota, o ministério de Marina se opõe à pasta comandada por Carlos Fávaro, o Ministério da Agricultura, que já afirmou que o PL tem apoio do governo. Por outro lado, o MMA é contrário a diversos pontos do texto. São criticadas, principalmente, a aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), a retirada de atribuições de órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e a dispensa para atividades agropecuárias.

"Um marco legal eficaz deve promover o desenvolvimento sustentável com base em critérios técnicos, transparência e responsabilidade institucional, em consonância com os princípios constitucionais que regem a tutela do meio ambiente", afirma o ministério em nota.

O MMA considera que o PL 2.159/21 vai em direção contrária ao artigo 225 da Constituição. O dispositivo estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida". Segundo o ministério, o trecho prevê a exigência de estudo anterior de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais.

Também pode ampliar a insegurança jurídica, conforme o MMA, a possibilidade de que o empreendedor questione condicionantes sob o argumento de não ter ingerência sobre terceiros ou poder de polícia. Para a pasta, é algo que "traz uma ampla gama de possibilidades de questionamentos com o potencial de gerar dúvidas maiores prazos para o processo".logo-jota

Mirielle Carvalho
Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Formada em Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: mirielle.carvalho@jota.info


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