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Por que é tão difícil exportar castanhas do Brasil?

12/06/2025

Autor: COLOVSKY, Salo

Fonte: OESP - https://www.estadao.com.br/



Por que é tão difícil exportar castanhas do Brasil?
Mesa Executiva da Castanha revela que pequenos problemas podem causar grandes estragos quando são recorrentes e cumulativos; felizmente, soluções também se acumulam

Salo Coslovsky

12/06/2025

Em 2024, um beneficiador de castanha sediado no Brasil me disse que perdeu uma exportação para a Turquia. Outro teve dificuldades em fechar uma venda para o Marrocos, e um terceiro explicou que estava relutante em vender sua castanha para uma empresa da Argélia. Na média, um contêiner de castanha descascada gera cerca de R$600 mil de receita ao exportador. Meio milhão de reais não faturado aqui, mais meio milhão ali, e logo estamos falando de dinheiro de verdade.

Esses negócios não perderam vendas internacionais porque o produto é inferior ou o preço demasiado elevado, mas por causa de exigências legais que deviam ser simples e fáceis de cumprir, mas estavam consumindo muito mais tempo e dinheiro do que seria razoável. Enquanto isso, os beneficiadores sediados na Bolívia e no Peru exportam volumes cinco a dez vezes maiores de castanha descascada do que seus contrapartes brasileiros. Como chegamos a essa situação?

A resposta veio através da Mesa Executiva de Exportação, uma iniciativa da ApexBrasil que reúne mensalmente representantes dessa vanguarda produtiva para identificar gargalos setoriais. Após um ano acompanhando essas reuniões, aprendi que muitos obstáculos relevantes não são aqueles que todos conhecem, como as estradas ruins, a energia cara, ou a falta de internet. Surpreendentemente, alguns dos entraves mais destrutivos assemelham-se a "pedras no sapato", isto é, pequenos incômodos, atritos ou arestas que parecem triviais, mas se acumulam até criar desvantagens competitivas devastadoras.

Logo na primeira reunião da Mesa Executiva da Castanha, os participantes afirmaram ter dificuldade excessiva em obter certificados fitossanitários. Vários contaram que perderam negócios por causa disso. Parecia simples de resolver, mas a investigação revelou um problema espinhoso.

O certificado fitossanitário é um documento oficial emitido pelo governo brasileiro atestando ao país importador que o produto não está contaminado com pragas ou espécies invasoras. Sua emissão é regulada por um tratado internacional. O problema é que as autoridades brasileiras só emitem esse certificado quando o exportador prova que o governo estrangeiro exige o documento.

Essa regra põe o exportador numa sinuca: os compradores de castanha frequentemente solicitam o certificado fitossanitário, mas o governo brasileiro se recusa a emiti-lo sem prova da exigência oficial. Na prática, cada exportador precisa pedir ao comprador uma cópia da norma local. Se ele recusa, o exportador brasileiro precisa vasculhar o site do governo estrangeiro até achar os documentos relevantes. Em contraste, o governo boliviano emite o certificado fitossanitário automaticamente para cada carregamento de castanha que sai do país. Desse modo, seus exportadores não só incorrem custos menores como criam uma expectativa entre os importadores que os brasileiros têm dificuldades em satisfazer.

Investigando mais fundo, descobrimos que o Ministério da Agricultura mantém uma base de dados online indicando os países e produtos que exigem certificados fitossanitários. Em fevereiro de 2024, quando a Mesa Executiva começou a operar, esse banco tinha apenas seis registros relacionados à castanha-do-brasil. Nenhum dos principais países importadores (EUA, União Europeia) estava lá.

Para resolver essa questão, a equipe da Mesa Executiva coletou as leis estrangeiras que diferentes produtores tinham em mãos, preparou dossiês por país e enviou tudo para o Ministério incluir na base de dados. Desde então, a base foi atualizada e os produtores afirmam que essa iniciativa facilitou suas vidas.

Esse não é um caso isolado. Em uma investigação paralela, a Mesa Executiva descobriu que muitos beneficiadores de castanha sediados na Amazônia obtêm certificados de sanidade alimentar em laboratórios de São Paulo, a 2.500 quilômetros de distância. Eles fazem isso pois temem que certificados emitidos por laboratórios amazônicos não sejam aceitos pelos inspetores no porto de saída, mesmo quando o laboratório tem boa reputação e certificações ISO. A distância entre fábrica e laboratório não só dilata prazos e encarece o frete, como também separa o técnico em análise do gerente de fábrica, diminuindo as possibilidades de cooperação e inovação. As perdas são difíceis de estimar, mas potencialmente expressivas.

Cada uma dessas investigações exigiu esforço. Conforme eu e meus colegas nos aprofundávamos nos assuntos, eu ficava dividido: estávamos dedicando tempo demais para problemas pequenos? Ou estávamos descobrindo obstáculos relevantes, que fariam diferença? Ao conversar com os exportadores, conclui que ambas interpretações estão corretas. Os problemas são mesmo pequenos, mas da mesma forma que uma pedra no sapato é pequena. Analisada isoladamente, ela parece insignificante. Mas, quando a pedra está no seu sapato, ela ganha poder destrutivo desproporcional. Cada passo fica penoso, a velocidade diminui, e logo você é ultrapassado por alguém de sandálias ou que corre descalço.

Por décadas, muitos economistas e formuladores de política defenderam que o desenvolvimento de regiões pobres exige um "grande esforço conjugado". Os detalhes variam, mas na Amazônia muita gente acredita que esse esforço deve incluir investimentos coordenados em infraestrutura, educação, pesquisa, assistência técnica e crédito rural. Essa visão parte da premissa de que economias subdesenvolvidas estão presas em "armadilhas da pobreza" onde múltiplos gargalos se reforçam mutuamente.

A experiência das Mesas Executivas sugere uma perspectiva distinta e que não exige competência sobre-humana por parte do Estado. Segundo essa perspectiva, muitos gargalos devastadores não são óbvios nem grandiosos, mas pequenos atritos que persistem porque ocupam um limbo institucional. São específicos demais para capturar a atenção continuada dos governantes, mas compartilhados demais para que sejam resolvidos por pequenas ou médias empresas atuando sozinhas. Sem donos claros, essas dificuldades se acumulam até formar uma montanha intransponível.

Como resultado, as empresas amazônicas ficam restritas ao mercado nacional, onde operam protegidas pelas distâncias, pelo idioma e por outras barreiras naturais. Mas, como não conseguem crescer nem se modernizar, acabam tendo dificuldades em defender seu próprio território. Hoje, parte da castanha beneficiada consumida no Brasil é processada por empresas da Bolívia e do Peru.

Para transformar o potencial da bioeconomia amazônica em realidade, não basta celebrá-la como conceito ou insistir em iniciativas utópicas. Precisamos de um método sistemático de detecção e remoção desses obstáculos. As Mesas Executivas são um primeiro passo, pois nos ajudam a identificar problemas que permanecem invisíveis a olho nu. Mas detectar o problema é só o começo. Removê-los ou contorná-los é mais desafiador e ainda estamos aprendendo a fazer com eficiência.

É trabalho meticuloso, quase artesanal. Ainda assim, cada obstáculo removido fortalece tanto as empresas como as instituições públicas, facilitando avanços subsequentes. No início, o progresso é lento, mas aos poucos o esforço ganha velocidade. É assim que a bioeconomia vai sair do papel para gerar riqueza real na floresta e nas cidades.

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