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Deveríamos ser amigos dos fazendeiros e madeireiros, diz líder indígena Raoni, que lança memórias
02/07/2025
Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/
Deveríamos ser amigos dos fazendeiros e madeireiros, diz líder indígena Raoni, que lança memórias
Aos 93 anos, ele fala sobre expectativa para COP30 e relembra em livro a infância vivida em isolamento e como se tornou porta-voz dos povos indígenas
02/07/02025
Carlos Minuano
"No encontro em Belém, eu penso que eles devem falar a mesma língua e preservar as florestas. Se divergirem, não será bom. Teremos problemas com ventos, enchentes e secas. Como ficaremos?", diz o cacique Raoni sobre o desafio de alcançar um consenso global na COP30 e o pedido de socorro da Amazônia, ameaçada por mudanças climáticas intensificadas pela ação humana.
Raoni Metuktire, um dos líderes indígenas mais respeitados e conhecidos do planeta, está lançando "Memórias do cacique" (Companhia das Letras). É seu neto, Patxon Metuktire, quem torna esta entrevista possível. Com as perguntas encaminhadas pela reportagem, ele seguiu até a aldeia e, munido de um celular, gravou a conversa com o avô, diretamente da Terra Indígena Capoto/Jarina, na região amazônica do Mato Grosso, onde vive.
As respostas foram dadas em mebêngôkre, a língua dos kayapó, porque Raoni vem enfrentando dificuldades para falar em português. Foram traduzidas pelo neto com o cuidado de quem conhece não apenas o idioma, mas também o espírito por trás das palavras de um ancião que, além de cacique e figura internacional, é também um respeitado pajé.
Aos 93 anos e conhecedor das pajelanças, Raoni sabe que o mundo está doente. Fala como quem tenta, mais uma vez, oferecer cura. "Eu falo muito sobre preservação, mas ainda tem gente desmatando. Quantas vezes eu falei sobre isso para os líderes do mundo?", diz o cacique, que já percorreu o planeta cobrando ações concretas por parte de autoridades.
O neto diz que a idade do cacique não é exata, mas uma estimativa. "Na época em que ele nasceu, não tinha isso. O nosso povo não reconhecia data de nascimento", diz Patxon. A referência usada veio dos sertanistas que participaram da Expedição Roncador-Xingu (1943- 1958), comandada pelos irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas.
Durante a demarcação do Centro Geográfico do Brasil, em 1958, Raoni apareceu em uma foto ao lado de um jovem de cerca de 20 anos. "A partir disso, eles calcularam e chegaram a essa idade aproximada", conta o neto.
Orlando e Cláudio Villas-Bôas também foram os primeiros professores de português de Raoni. "Essa é uma das histórias contadas por ele no livro", conta Patxon, que participou da produção da obra. O projeto começou num momento em que o líder kayapó adoeceu. "A gente estava cuidando da saúde dele, e aí veio a ideia de gravar e registrar suas memórias. A Companhia das Letras já estava interessada, e começamos a filmar", diz Patxon
O livro, que traz Raoni retratado por Bob Wolfenson na capa, teve coordenação do antropólogo Fernando Niemeyer, responsável pela redação e edição final do texto. A publicação teve apoio do Instituto Socioambiental, do Instituto Sociedade, População e Natureza e do Instituto Raoni.
Deixar sua história registrada em livro era um sonho antigo de Raoni, conta Patxon. "Ele dizia que já havia gravado muitas coisas, mas nunca via o resultado." Entre 2020 e 2023, o neto e outros três parentes registraram suas falas, transcreveram, traduziram e revisaram o material.
Patxon diz que o livro é um retrato amplo da trajetória de Raoni, da infância vivida em isolamento à condição de porta-voz dos povos indígenas. "Nosso avô conta a vida dele, as experiências antes do contato com os brancos, quando começou a virar pajé. O estranhamento, os primeiros encontros com os Villas-Bôas. E depois as viagens, as reuniões com autoridades, presidentes, a campanha contra Belo Monte." A obra traz ainda mitos contados pelo pai e pelo avô de Raoni, guardiões da tradição oral e da cosmologia kayapó.
Mas, nesta entrevista, o tema é o presente e o futuro. O ancião kayapó retoma o tom político e espiritual que sempre atravessou sua trajetória, ao falar sobre a COP30, marcada para novembro, em Belém, e da qual espera participar ao lado do presidente Lula.
"Eu sempre defendi os povos indígenas", afirma Raoni. "Eu falo sobre a paz. Hoje é tempo de paz. Não podemos mais brigar entre nós." Ele faz um pedido ao repórter: "Divulguem minha fala. Publiquem para que saibam das minhas palavras de paz".
A participação de Raoni na COP ainda depende de negociações com o governo federal, segundo Patxon. O desejo do cacique é compor a comitiva presidencial e ter voz no encontro que reunirá chefes de Estado e lideranças globais para discutir o futuro do planeta.
Em abril, Lula esteve na aldeia para visitá-lo e entregar a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a mais alta condecoração do Estado brasileiro. Na ocasião, comprometeu-se também a concluir a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, onde está enterrado o pai do cacique.
Além da demora no processo de homologação da terra, outra preocupação de Raoni diz respeito ao asfaltamento da rodovia MT-322, que corta a região do Xingu e atravessa territórios indígenas. Embora não rejeitem a obra, lideranças como ele exigem que o licenciamento ambiental respeite as normas federais, inclua consulta às comunidades e impeça a exploração predatória.
"Este meu livro tem que ser para a paz das pessoas. Eu falo sobre isso há muito tempo. Que a gente tenha paz um com o outro", afirma. Ele recorda que os antigos viviam em guerra, e que tanto seu pai quanto os irmãos Villas-Bôas lhe ensinaram a não liderar pelo conflito. "Quando aprendi português com o Cláudio e Orlando, eles me falavam também sobre isso. Por isso quero que as pessoas tenham paz."
Para Raoni, atento aos desafios que as novas gerações enfrentam, a convivência entre indígenas e não indígenas deveria ser possível. "Tem desafio com garimpeiros, madeireiros e produtores que querem desmatar as florestas das terras indígenas. Os fazendeiros e madeireiros vêm causando problemas para nós", afirma. "Deveríamos ser amigos, pois já temos convivência, já nos conhecemos. Não é como antigamente. Mas os madeireiros e os garimpeiros continuam trazendo problemas para nós. Isso não é bom. Isso não é paz. Isso é tristeza para nós."
Desde os anos 70, quando foi apresentado ao mundo pelo documentário "Raoni", narrado por Marlon Brando, o cacique consolidou-se como uma das vozes mais ativas contra a destruição da Amazônia. Em 1989, percorreu 17 países ao lado do cantor britânico Sting, em campanha que criou a Rainforest Foundation e fortaleceu a proteção ao entorno do Parque do Xingu.
Desde então, denuncia projetos como Belo Monte e o avanço do garimpo. Em 2019, foi recebido por líderes europeus e pelo papa Francisco. Em 2023, subiu a rampa do Planalto com Lula na posse presidencial. Hoje, reafirma sua missão: preservar a floresta, defender os povos indígenas e lembrar que, apesar de tantas guerras, é tempo de paz.
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2025/07/02/deveriamos-ser-amigos-dos-fazendeiros-e-madeireiros-diz-lider-indigena-raoni-que-lanca-memorias.ghtml
Aos 93 anos, ele fala sobre expectativa para COP30 e relembra em livro a infância vivida em isolamento e como se tornou porta-voz dos povos indígenas
02/07/02025
Carlos Minuano
"No encontro em Belém, eu penso que eles devem falar a mesma língua e preservar as florestas. Se divergirem, não será bom. Teremos problemas com ventos, enchentes e secas. Como ficaremos?", diz o cacique Raoni sobre o desafio de alcançar um consenso global na COP30 e o pedido de socorro da Amazônia, ameaçada por mudanças climáticas intensificadas pela ação humana.
Raoni Metuktire, um dos líderes indígenas mais respeitados e conhecidos do planeta, está lançando "Memórias do cacique" (Companhia das Letras). É seu neto, Patxon Metuktire, quem torna esta entrevista possível. Com as perguntas encaminhadas pela reportagem, ele seguiu até a aldeia e, munido de um celular, gravou a conversa com o avô, diretamente da Terra Indígena Capoto/Jarina, na região amazônica do Mato Grosso, onde vive.
As respostas foram dadas em mebêngôkre, a língua dos kayapó, porque Raoni vem enfrentando dificuldades para falar em português. Foram traduzidas pelo neto com o cuidado de quem conhece não apenas o idioma, mas também o espírito por trás das palavras de um ancião que, além de cacique e figura internacional, é também um respeitado pajé.
Aos 93 anos e conhecedor das pajelanças, Raoni sabe que o mundo está doente. Fala como quem tenta, mais uma vez, oferecer cura. "Eu falo muito sobre preservação, mas ainda tem gente desmatando. Quantas vezes eu falei sobre isso para os líderes do mundo?", diz o cacique, que já percorreu o planeta cobrando ações concretas por parte de autoridades.
O neto diz que a idade do cacique não é exata, mas uma estimativa. "Na época em que ele nasceu, não tinha isso. O nosso povo não reconhecia data de nascimento", diz Patxon. A referência usada veio dos sertanistas que participaram da Expedição Roncador-Xingu (1943- 1958), comandada pelos irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas.
Durante a demarcação do Centro Geográfico do Brasil, em 1958, Raoni apareceu em uma foto ao lado de um jovem de cerca de 20 anos. "A partir disso, eles calcularam e chegaram a essa idade aproximada", conta o neto.
Orlando e Cláudio Villas-Bôas também foram os primeiros professores de português de Raoni. "Essa é uma das histórias contadas por ele no livro", conta Patxon, que participou da produção da obra. O projeto começou num momento em que o líder kayapó adoeceu. "A gente estava cuidando da saúde dele, e aí veio a ideia de gravar e registrar suas memórias. A Companhia das Letras já estava interessada, e começamos a filmar", diz Patxon
O livro, que traz Raoni retratado por Bob Wolfenson na capa, teve coordenação do antropólogo Fernando Niemeyer, responsável pela redação e edição final do texto. A publicação teve apoio do Instituto Socioambiental, do Instituto Sociedade, População e Natureza e do Instituto Raoni.
Deixar sua história registrada em livro era um sonho antigo de Raoni, conta Patxon. "Ele dizia que já havia gravado muitas coisas, mas nunca via o resultado." Entre 2020 e 2023, o neto e outros três parentes registraram suas falas, transcreveram, traduziram e revisaram o material.
Patxon diz que o livro é um retrato amplo da trajetória de Raoni, da infância vivida em isolamento à condição de porta-voz dos povos indígenas. "Nosso avô conta a vida dele, as experiências antes do contato com os brancos, quando começou a virar pajé. O estranhamento, os primeiros encontros com os Villas-Bôas. E depois as viagens, as reuniões com autoridades, presidentes, a campanha contra Belo Monte." A obra traz ainda mitos contados pelo pai e pelo avô de Raoni, guardiões da tradição oral e da cosmologia kayapó.
Mas, nesta entrevista, o tema é o presente e o futuro. O ancião kayapó retoma o tom político e espiritual que sempre atravessou sua trajetória, ao falar sobre a COP30, marcada para novembro, em Belém, e da qual espera participar ao lado do presidente Lula.
"Eu sempre defendi os povos indígenas", afirma Raoni. "Eu falo sobre a paz. Hoje é tempo de paz. Não podemos mais brigar entre nós." Ele faz um pedido ao repórter: "Divulguem minha fala. Publiquem para que saibam das minhas palavras de paz".
A participação de Raoni na COP ainda depende de negociações com o governo federal, segundo Patxon. O desejo do cacique é compor a comitiva presidencial e ter voz no encontro que reunirá chefes de Estado e lideranças globais para discutir o futuro do planeta.
Em abril, Lula esteve na aldeia para visitá-lo e entregar a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a mais alta condecoração do Estado brasileiro. Na ocasião, comprometeu-se também a concluir a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, onde está enterrado o pai do cacique.
Além da demora no processo de homologação da terra, outra preocupação de Raoni diz respeito ao asfaltamento da rodovia MT-322, que corta a região do Xingu e atravessa territórios indígenas. Embora não rejeitem a obra, lideranças como ele exigem que o licenciamento ambiental respeite as normas federais, inclua consulta às comunidades e impeça a exploração predatória.
"Este meu livro tem que ser para a paz das pessoas. Eu falo sobre isso há muito tempo. Que a gente tenha paz um com o outro", afirma. Ele recorda que os antigos viviam em guerra, e que tanto seu pai quanto os irmãos Villas-Bôas lhe ensinaram a não liderar pelo conflito. "Quando aprendi português com o Cláudio e Orlando, eles me falavam também sobre isso. Por isso quero que as pessoas tenham paz."
Para Raoni, atento aos desafios que as novas gerações enfrentam, a convivência entre indígenas e não indígenas deveria ser possível. "Tem desafio com garimpeiros, madeireiros e produtores que querem desmatar as florestas das terras indígenas. Os fazendeiros e madeireiros vêm causando problemas para nós", afirma. "Deveríamos ser amigos, pois já temos convivência, já nos conhecemos. Não é como antigamente. Mas os madeireiros e os garimpeiros continuam trazendo problemas para nós. Isso não é bom. Isso não é paz. Isso é tristeza para nós."
Desde os anos 70, quando foi apresentado ao mundo pelo documentário "Raoni", narrado por Marlon Brando, o cacique consolidou-se como uma das vozes mais ativas contra a destruição da Amazônia. Em 1989, percorreu 17 países ao lado do cantor britânico Sting, em campanha que criou a Rainforest Foundation e fortaleceu a proteção ao entorno do Parque do Xingu.
Desde então, denuncia projetos como Belo Monte e o avanço do garimpo. Em 2019, foi recebido por líderes europeus e pelo papa Francisco. Em 2023, subiu a rampa do Planalto com Lula na posse presidencial. Hoje, reafirma sua missão: preservar a floresta, defender os povos indígenas e lembrar que, apesar de tantas guerras, é tempo de paz.
https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2025/07/02/deveriamos-ser-amigos-dos-fazendeiros-e-madeireiros-diz-lider-indigena-raoni-que-lanca-memorias.ghtml
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