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Financiar a conservação da Amazônia é política climática global

23/07/2025

Autor: GUIMARÃES, André; SIMÕES, Juliana

Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/



Financiar a conservação da Amazônia é política climática global
O custo de conservar a Amazônia é infinitamente menor do que o custo de lidar com as consequências devastadoras de seu colapso

André Guimarães
Diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

Juliana Simões
Vice-gerente da Estratégia Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, da The Nature Conservancy (TNC) Brasil

23/07/2025

A COP30, que será realizada em Belém em novembro de 2025, representa uma oportunidade ímpar para o Brasil e para o mundo. Realizada no coração da Amazônia, esta cúpula oferece a chance de colocar a maior floresta tropical do planeta de fato dentro da agenda climática global e impedir seu colapso iminente. Salvar a Amazônia não é apenas uma questão ambiental regional: é uma estratégia global inadiável para enfrentar a emergência climática, um imperativo para a estabilidade do sistema terrestre.

A urgência em agir é palpável e cientificamente comprovada. A Amazônia, que se estende por nove países e abrange 6,5 milhões de quilômetros quadrados, abriga 13% das espécies conhecidas de plantas e animais, 20% da água doce do planeta e 47 milhões de pessoas, incluindo mais de 400 grupos indígenas. Por mais de 65 milhões de anos, suas florestas permaneceram relativamente resilientes à variabilidade climática. No entanto, a região está agora exposta a um estresse sem precedentes devido ao aquecimento das temperaturas, secas extremas, desmatamento e incêndios, mesmo em partes centrais e remotas do sistema.

Cientistas alertam que a perda de apenas mais 5% da cobertura vegetal da Amazônia pode desencadear um ponto de não retorno irreversível. Se isso ocorrer, vastas áreas da floresta se converterão em uma savana de dossel aberto, altamente degradada. Este processo, que também pode ser desencadeado se o aquecimento global exceder 2oC, teria consequências catastróficas. A Amazônia liberaria na atmosfera cerca de 300 bilhões de toneladas de carbono, acelerando drasticamente o aquecimento global. Isso comprometeria todos os esforços internacionais para conter a crise climática, pois inviabilizaria o alcance das metas do Acordo de Paris.

Além do impacto climático direto, o colapso amazônico afetaria padrões de chuva essenciais para a produção de alimentos em escala continental. A evapotranspiração da floresta gera os chamados "rios voadores", que fornecem 50% das chuvas da América do Sul, sustentando a agricultura, a energia hidrelétrica e as economias em todo o continente. A perda desses serviços ecossistêmicos essenciais, como regulação do ciclo de chuvas, proteção da biodiversidade e polinização, teria um impacto devastador na segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas, não apenas na América do Sul, mas globalmente.

Por isso, um grupo de representantes da sociedade civil, centros de pesquisa e lideranças locais e internacionais se uniram para apresentar um chamado à ação com foco em investimentos para proteger a Amazônia e regular o clima do planeta. O documento foi entregue à Presidência da COP30 e propõe caminhos concretos para ampliar o financiamento em grande escala às soluções baseadas na natureza, que são essenciais para conservar, restaurar e garantir um desenvolvimento sustentável com floresta em pé.

O custo de conservar a Amazônia é infinitamente menor do que o custo de lidar com as consequências devastadoras de seu colapso. O Banco Mundial estima que são necessários US$ 7 bilhões anuais para proteger adequadamente a floresta. No entanto, na sua média histórica, a conservação da Amazônia recebe menos de US$ 600 milhões por ano, ou seja, menos de um décimo do necessário. Essa disparidade é um reflexo da subvalorização dos serviços ecossistêmicos vitais que a floresta oferece. Somente no Brasil, esses serviços são estimados em aproximadamente US$ 317 bilhões anuais. Essa é uma irracionalidade econômica que precisa ser corrigida.

Para se ter uma ideia da desproporção de prioridades globais, em 2024, o mundo destinou US$ 2,7 trilhões para armamentos. Enquanto isso, os fluxos financeiros atuais frequentemente incentivam o desmatamento e a falta de financiamento para a conservação da Amazônia reflete uma falha global mais ampla: as soluções baseadas na natureza (SBN) recebem uma parcela ínfima do financiamento climático para mitigação e adaptação.

Preencher essa lacuna requer o redirecionamento dos fluxos de capital para ações escaláveis focadas na redução do desmatamento e no fortalecimento de meios de subsistência sustentáveis. As recomendações para elevar o financiamento à conservação da Amazônia incluem mecanismos financeiros inovadores, como o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), projetado para mobilizar cerca de US$ 5 bilhões anualmente para todas as florestas tropicais através de mecanismos de financiamento combinados. Tais modelos - baseados em escalabilidade, metas científicas e parcerias - podem preencher a lacuna entre o progresso incremental e a transformação sistêmica.

A Nova Meta Coletiva Quantificada sobre Financiamento Climático sob o Acordo de Paris pede US$ 1,3 trilhão em financiamento climático global anualmente. Embora a alocação específica para a Amazônia permaneça indefinida, isso abre uma oportunidade para o governo brasileiro, na presidência da COP30, garantir o engajamento de "todos os atores" - incluindo fundos filantrópicos, o setor privado e instituições públicas - na proteção à Amazônia.

Nesse contexto, é crucial engajar Bancos de Desenvolvimento para que priorizem o alinhamento de produtos financeiros com as metas de conservação da natureza. Isso envolve padronizar indicadores-chave de desempenho, fortalecer a capacidade governamental por meio de expertise técnica, jurídica e em gestão de projetos, e reconhecer o valor dos ativos naturais nas classificações de crédito soberano e na análise de sustentabilidade de dívida

Estas são algumas das sugestões de organizações da sociedade civil, centros de pesquisa e lideranças locais e internacionais, que propõem um plano de ação claro para alinhar os fluxos financeiros com economias favoráveis à natureza na Amazônia. Isso inclui a reorientação de subsídios e incentivos perversos que estão destruindo a Amazônia, e a exigência de rastreabilidade entre as principais cadeias de suprimentos desenvolvidas perto de áreas de alto desmatamento. Também pedem um compromisso global para combater economias ilegais transnacionais (como especulação imobiliária, extração ilegal de madeira e mineração) por meio da aplicação coordenada da lei e monitoramento por satélite.

Outras soluções incluem a promoção do pagamento por serviços ambientais para proteger o ciclo da água, os rios flutuantes e a biodiversidade na Amazônia, e o fortalecimento de salvaguardas e a implementação de uma abordagem baseada em direitos humanos, como segurança da posse da terra e inclusão de povos indígenas e comunidades locais. Isso é essencial para garantir que os fundos cheguem às comunidades da linha de frente, que são os verdadeiros guardiões da floresta.

Importante lembrar que não estamos começando do zero. Uma série de iniciativas no Brasil e em outros países sul-americanos já apresentaram bons resultados. É o caso do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que apoia mais de 59 milhões de hectares de áreas protegidas somente no Brasil, e o Fundo Podaali, liderado por indígenas na Amazônia, demonstram a eficácia de investimentos direcionados. Ou ainda da Moratória da Soja, um instrumento de mercado que ajudou a reduzir o desmatamento na Amazônia brasileira. A iniciativa Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco (IFACC) conta, em 2025, com 25 signatários e 17 produtos financeiros, que juntos somam USD 500 milhões desembolsados. Dentro da cadeia global de carne bovina, o compromisso do Pará em alcançar 100% de gado rastreável até 2026 é um modelo de transformação que pode e precisa ser replicado.

A COP30 em Belém oferece a plataforma ideal para o Brasil liderar essa transformação. Ao demonstrar um compromisso inequívoco com o financiamento e a implementação de soluções para a Amazônia, o país pode inspirar uma coalizão global de doadores e investidores. Salvar a Amazônia pode ser, de fato, uma das grandes vitórias da COP30 - a primeira a ser realizada neste bioma vital para o planeta. É a chance de transformar um risco global em uma vitória compartilhada pela humanidade, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para todos.
 

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