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II Encontro de Caciques de Jutaí alerta para ameaças, violências e violações aos povos indígenas da Mesorregião do Amazonas

01/09/2025

Autor: Por Lígia Apel, da Assessoria de Comunicação Cimi Regional Norte I, e Francisco Amaral, do Cimi Regi

Fonte: Cimi - https://cimi.org.br



Há quem diga que a região conhecida como Triângulo Jutaí-Solimões-Juruá, no estado do Amazonas, está situada no coração da Amazônia e que, por ser uma região distante dos grandes centros, é isolada, tem poucos habitantes em sua vastidão geográfica e está com seus rios e florestas protegidos.

Realmente, a região é bem distante dos grandes centros. A cidade de Jutaí, por exemplo, fica a mais de 700 km de Manaus em linha reta; pelo rio está a mais de mil quilômetros de distância de Manaus. Por isso, pode ser considerada uma região isolada. Também é verdade que pode ser considerada o coração da Amazônia, pois está localizada na Mesorregião Central do Amazonas.

Mas, não é verdade que tem poucos habitantes. Segundo o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de 35 mil habitantes nos oito munícipios que compõem a região. Também é inverídico que está com seu ambiente natural protegido e, em decorrência, também a população está desprotegida.

As constatações são do II Encontro de Caciques de Jutaí, realizado pelo Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí (Copiju), nos dias 16 e 17 de agosto, na aldeia Boa Vista, Terra Indígena (TI) Estrela da Paz, em Jutaí (AM). A Copiju representa em torno de 5.700 indígenas da região do médio rio Solimões e trouxe para o encontro 32 caciques e mais de 150 lideranças dos povos Kokama, Tikuna, Kambeba e Katawaixy, das Terras Indígenas (TIs) Estrela da Paz, Macarrão, São Luiz, Acapuri de Cima, Espírito Santo, Voz da Floresta, Santa Elena, Santa Luzia e Cupeçu.

Os debates e trocas de conhecimentos travados durante os dois dias comprovaram que essa parte do bioma e sua população estão vulneráveis às invasões e saques dos recursos naturais, desmatamentos ilegais e irracionais, garimpo, narcotráfico e pirataria. E que a ausência do Estado nas comunidades acarreta falta de políticas públicas eficientes e eficazes, principalmente falta de segurança. Todas essas violências e violações de direitos foram identificadas pelos indígenas em seu diagnóstico da realidade.

"Há invasão nos territórios por pessoas que retiram madeira, peixe e caça de forma predatória, insegurança nos rios e nos territórios por causa das ações de piratas e traficantes, entrada descontrolada nas aldeias de drogas e bebidas alcoólicas, com o garimpo aumentando na região, próximos e até mesmo dentro dos territórios"

"Falta de demarcação das terras; há invasão nos territórios por pessoas que retiram madeira, peixe e caça de forma predatória, insegurança nos rios e nos territórios por causa das ações de piratas e traficantes, entrada descontrolada nas aldeias de drogas e bebidas alcoólicas, com o garimpo aumentando na região, próximos e até mesmo dentro dos territórios, trazendo destruição e poluição dos rios e do solo", apontam os indígenas, evidenciando a falta de segurança em toda a região.

Em relação às políticas públicas, os caciques e lideranças relataram que saúde e educação escolar indígena precisam ser melhor implementadas e executadas pelo poder público.

"Tem comunidades sem escolas e, onde tem, as estruturas estão precárias por falta de manutenção, não há professores bilíngues em todas as aldeias; os professores precisam de formação continuada; muitos alunos estão sem transporte; falta poço artesiano em várias aldeias; em muitas, também não tem postos de saúde ou, ao menos, atendimento pelo Dsei; precisa contratação de mais Agentes de Saúde Indígena (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN); também não há transporte para remoção de pacientes em algumas aldeias e nos polos de saúde tem poucos medicamentos", relatam os indígenas.

"Vivemos um momento desafiador com tantas ameaças aos seus direitos, retrocessos aos direitos já garantidos na Constituição Federal, que são extremamente grandes. Os povos precisam ter conhecimentos sobre essas ameaças e unificar a luta coletivamente para o enfrentamento delas"

Esclarecer, aprender e unir

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, equipe da Prelazia de Tefé, em sua missão de defesa dos direitos indígenas, apoiou o II Encontro de Caciques de Jutaí e seus objetivos de fortalecer a luta coletiva dos povos indígenas e aprofundar conhecimentos em direitos indígenas garantidos na Constituição Federal, especialmente os direitos territoriais, demarcação e proteção dos territórios e recursos naturais existentes neles. A luta por políticas públicas específicas e a busca de soluções para o enfrentamento dos desafios e ameaças também foram temas que contaram com apoio do Cimi.

A instituição também contribuiu nas análises sobre os impactos da Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, e do Projeto de Lei (PL) 2159/2021, conhecido como PL da Devastação Ambiental.

Para Raimundo Freitas, missionário do Cimi Regional Norte I, equipe Prelazia de Tefé, a iniciativa da Copiju em realizar o encontro e unir as lideranças é importante e necessária, dada a conjuntura de ataques que estao ameaçando os povos indígenas.

"Esses eventos são fundamentais para os povos indígena e suas lutas. Atualmente vivemos um momento desafiador com tantas ameaças aos seus direitos, retrocessos aos direitos já garantidos na Constituição Federal, que são extremamente grandes. Os povos precisam ter conhecimentos sobre essas ameaças e unificar a luta coletivamente para o enfrentamento delas", alertou Freitas, comentando os impactos da Lei 14.701, que desconsidera a definição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, e do PL 2159/2021.

Aprovado pelo Congresso, o projeto foi transformado na Lei 15.190/2025 e obteve alguns vetos do presidente Lula da Silva, os quais ainda serão apreciados pelo Congresso. Entre outros pontos graves, a proposição original ignora o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e outras populações tradicionais.

O missionário reafirma que a resistência para tantas ameaças está no conhecimento das leis, na sabedoria indígena e na unificação das lutas.

"Da nossa parte como Cimi, achamos que é de suma importância realizar formações juntos aos povos indígenas. É uma estratégia para que possam se manter informados e com conhecimento sobre seus direitos e, assim, unificar as forças, articulando-se desde a aldeia mais distante até as organizações indígenas a nível nacional. O momento que vivemos precisa ser enfrentado, mas não individualmente e sim com ações coletivas, seja nos territórios, nas aldeias e em mobilizações locais, regionais, estaduais, nacionais e internacionais", afirma.

"Acreditamos que o encontro veio para unir, esclarecer e promover a colaboração entre os líderes da nossa região. Essa interação servirá para darmos continuidade a nossa tradição e identidade cultural"

Interagir para fortalecer

O II Encontro de Caciques de Jutaí promoveu, de acordo com os participantes, importantes e consistentes trocas de conhecimentos e realidades. Também perceberam que o momento foi de interação, colaboração mútua e fortalecimento para enfrentar os desafios. O coordenador do Copiju, Rosiney Lopes de Araújo, do povo Kokama, afirmou essas premissas.

"Foi um momento de oportunidades, tivemos trocas de experiências e conhecimentos dessa tão valiosa sabedoria das lideranças indígenas. Cada líder compartilhou suas histórias e realidades em relação às políticas públicas, assim como suas práticas de liderança. Observamos os desafios enfrentados e as estratégias [de ação] e, por isso, acreditamos que o encontro veio para unir, esclarecer e promover a colaboração entre os líderes da nossa região. Essa interação servirá para darmos continuidade a nossa tradição e identidade cultural", afirmou.

Para o servidor da Coordenação Regional Alto e Médio Solimões da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ofir Marculino Aiambu Tikuna, a parceria com o Cimi na região é forte porque ambos atuam como orientadores.

"O evento foi valioso e muito importante. O Cimi traz orientação e a Funai também ajuda a agregar pensamento e transformação [desse mundo] em um mundo melhor. Precisamos entender as dificuldades de cada um. E agora, [nesse encontro] vejo nos semblantes das lideranças, dos jovens, dos professores, das mulheres e das crianças que estavam presentes, que foi um valioso evento, satisfeitos porque foram ouvidos. A Funai seguirá fortalecendo as parcerias com as instituições e os povos indígenas para atuar cada vez melhor", afirmou.

"A formação é importante não só para os caciques, mas também para mulheres e jovens, e assim abranger as necessidades que temos aqui, aprofundar o tema dos diretos, sobre a demarcação das terras, para nós termos mais conhecimentos e discernimento sobre as leis"

Uma das lideranças mais antigas de Jutaí, Arnaldo Maricaua Tikuna, da Aldeia Boa Vista, TI Estrela da Paz, disse que o encontro fortaleceu conhecimentos e garantiu que os indígenas querem participar da construção de uma política de governo que esteja de acordo com as necessidades dos povos.

"O encontro trouxe mais conhecimentos para as lideranças se desenvolverem dentro do movimento indígena e o conhecimento da política indígena, eu acredito, fortalece bastante os indígenas. Se continuar assim as coisas vão ficar cada vez melhores, porque os povos estão interessados em construir uma política mais acessível dentro da política de governo, que favoreça nossas populações. Foi riquíssimo mesmo e estamos aí, de braços aberto para contribuir com os parceiros nessa luta que é nossa", anunciou.

O Cacique Genilson Kokama, da Aldeia São Luís, TI Riozinho, fala que o evento deu a base do conhecimento para enfrentar os desafios. "[Essa formação é importante] para que possamos ser mais capazes, como cacique, de enfrentar os desafios em nossas aldeia e territórios", desejou.

Para Laurença Almeida Kokama, vice-cacica da aldeia Inglaterra, TI Estrela da Paz, a formação em direitos indígenas e análise das leis precisam alcançar mulheres e jovens indígenas também.

"A formação é importante não só para os caciques, mas também para mulheres e jovens, e assim abranger as necessidades que temos aqui, aprofundar o tema dos diretos, sobre a demarcação das terras, para nós termos mais conhecimentos e discernimento sobre as leis. Aí, podemos estar atualizados das leis que ferem nossos diretos e enfrentar elas", afirmou.

Para o vice coordenador do Copiju, Francisco Rumão Tikuna, o encontro ampliou conhecimentos e encorajou a todos.

"Estavam presentes várias etnias, 32 caciques, 152 lideranças, a Funai e outras instituições, professores, agentes de saúde, coordenadoras de mulheres, parteiras e jovens que discutiram os problemas das nossas terras, saúde, educação e outros direitos, foi uma coisa muito legal, riquíssima, nos fortaleceu com conhecimentos sobre os nossos direitos e, agora, nós buscaremos as estratégias para o enfrentamento das ameaças aos nossos territórios e nossas vidas", disse, encorajado.

"Nossas lideranças precisam absorver cada vez mais sobre as novas leis que são criadas, implantadas em nossos territórios e que afetam nossas vidas de maneira trágica. Hoje o Congresso está criando novas leis que nos ameaçam e nós, indígenas, em nossas aldeias, temos que proteger e guardar nossos territórios"


A coordenadora do grupo de mulheres do Copiju, Gracimar Moura Ferreria, do povo Katawixi, moradora da aldeia Boa Vista, TI Estrela da Paz, também é da opinião de que estudos e formações são necessárias para as lideranças de forma constante, porque constantemente os direitos indígenas estão sendo ameaçados.

"Nossas lideranças precisam absorver cada vez mais sobre as novas leis que são criadas, implantadas em nossos territórios e que afetam nossas vidas de maneira trágica. Hoje o Congresso está criando novas leis que nos ameaçam e nós, indígenas, em nossas aldeias, temos que proteger e guardar nossos territórios. Por isso, as formações devem ser feitas sempre", almejou, comentando que as parcerias proporcionam aprendizados mútuos.

"Tanto o Cimi quanto a Funai aprenderam com a gente um pouco mais sobre a nossa realidade, e nós, indigenas, aprendemos com eles sobre direitos, a legislação e sobre essas novas leis que trazem retrocessos e que afetarão as nossas futuras gerações", concluiu.

A 1ª Secretária Administrativa da Copiju, Maria Josefa Lopes, do povo Kokama, da aldeia São Francisco da Ressaca Grande Solimões, TI Santa Helena, diz que os dois dias foram fundamentais para os aprendizados, mas também para despertar o interesse de buscar e ampliar seus conhecimentos. "As lideranças aprenderam muito sobre os direitos nesses dois dias, e o que não aprenderam vão continuar buscando para aumentar o conhecimento, pois ainda é preciso para enfrentar os desafios que estão chegando", afirmou.

O Cacique da Aldeia Acapuri de Cima, da TI de mesmo nome, José Carlos Santiago Macário, do povo Kokama, agradeceu a todos pelo encontro e disse que os conhecimentos adquiridos vão ser repassados nas aldeias e que o encontro também fortaleceu suas tradições de compartilhar saberes.

"[O encontro] nos ajudou a nos desenvolver e fortalecer com várias informações e conhecimentos que serão usados nas nossas lutas. Precisamos nos manter sempre atualizados do que acontece em Brasília, principalmente, com relação aos nossos direitos e, assim, fortalecer cada vez mais o nosso movimento e a nossa luta. Esse encontro também ajudou a fortalecer nossa cultura e nossas tradições", congratulou.

Riszane Tikuna, da aldeia Bugaio, da TI Estrela da Paz, também disse que é grata pelo encontro e que ele uniu a todos. "Sou grata ao Cimi por estar presente no II encontro de caciques e trazer essa formação sobres as leis e os direitos dos povos indígenas. E esse evento veio para nos unir mais. Juntou caciques, mulheres, jovens e outra lideranças para aprofundarem os conhecimentos sobre nossos direitos e fortalecer nossas lutas nas aldeias e nos territórios", concluiu.

https://cimi.org.br/2025/09/ii-encontro-caciques-jutai/
 

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