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'Índio do Buraco': Supremo autoriza criação de Parque Nacional Tanaru em reparação histórica

12/09/2025

Autor: Daniel Biasetto e Luiz Eduardo de Castro

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com



O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou nesta quinta-feira (11) em "decisão histórica" um plano de trabalho para a criação do Parque Nacional Tanaru. O território, que tem uma área de aproximadamente oito mil hectares, é localizado em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. O último representante do povo Tanaru, conhecido como o "Índio do Buraco", viveu isolado na Floresta Amazônica por 26 anos e resistiu ao contato com não indígenas até sua morte, em 2022. O GLOBO teve acesso à íntegra da decisão e apurou que o anúncio da criação do parque deve ser feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2026.

A criação do plano tem base em uma a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de relatoria de Fachin. O ministro classificou a decisão como uma "reparação da histórica violência e vulnerabilização sofrida pelos povos originários do Brasil" e disse que a criação do plano de trabalho serve para preservar "o patrimônio ambiental, cultural e arqueológico concernente ao território outrora ocupado pelo povo Tanaru".

A decisão foi tomada com base na ADPF 991, que trata da proteção de territórios tradicionalmente ocupados por grupos indígenas isolados e de recente contato, após acordo firmado entre as partes envolvidas. A União ficará encarregada de encaminhar ao STF relatórios semestrais sobre o cumprimento de cada etapa do projeto.

A unidade de conservação de proteção integral será responsável pelo processo de reconhecimento e pela preservação da memória material e imaterial do povo Tanaru.

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Também na decisão, Fachin destacou que o plano de trabalho apresentado pela União foi elaborado a partir de amplo diálogo e cooperação institucional, atendendo ao dever fundamental do Estado de proteger o patrimônio ambiental, cultural e arqueológico relativo ao território outrora ocupado pelo povo Tanaru.

No mesmo texto, Fachin também autorizou a prorrogação dos efeitos de portaria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que restringe o uso da área até a formalização do Parque Nacional Tanaru, garantindo a continuidade das medidas protetivas previstas na norma.

Organizações indígenas
O plano de trabalho do governo foi elaborado em conjunto pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Casa Civil da Presidência da República, e apresentado nos autos da ADPF 991, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que trata da proteção de todos os territórios de povos indígenas isolados no país.

O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) afirma ter enviado, em agosto, um relatório ao STF que detalha o histórico da ocupação da região a partir da ditadura militar e o genocídio que dizimou vários grupos indígenas em isolamento para abertura de fazendas. O órgão também defende a manutenção da atuação da Funai no local, mesmo após a criação do plano.

- O trabalho da Frente de Proteção Etnoambiental foi fundamental para assegurar a vida de Tanaru e a continuidade da terra indígena, por isso consideramos necessário que a Funai continue atuando na região, mesmo após a criação do Parque Nacional - afirma Fabio Ribeiro, coordenador do Opi

Dados recentes do projeto Amazônia Revelada, que estuda o histórico do povoamento da floresta tropical e é coordenado pelos arqueólogos Eduardo Neves e Cristiana Barreto, mostraram a existência de pelo menos 1300 buracos na terra indígena, o que é visto como um indicativo da existência de um povo numeroso com séculos de história.

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No texto encaminhado ao STF, o Opi argumentou que o genocídio exterminou esse povo, mas que a memória de sua existência persiste na floresta e no patrimônio arqueológico e cultural, sendo fundamental que o território permaneça protegido.

Despojo do genocídio
A morte de Tanaru, último membro do grupo indígena isolado, levantou questões sobre justiça e o futuro das terras ancestrais na maior floresta tropical do mundo. Por pelo menos 26 anos, um homem conhecido como 'índio do buraco' viveu sozinho, movendo-se por seu território, construindo várias casas, cultivando alimentos e caçando em uma pequena floresta no sudoeste da Amazônia. Ele cavava grandes e misteriosos buracos dentro dessas casas, cujo significado ainda permanece um mistéro para antropólogos e indigenistas.

Quando uma equipe da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) o encontrou em 1996, ele resistiu ao contato, apontando uma flecha por uma brecha em seu abrigo de palha, uma cena registrada no documentário Corumbiara, de 2009. Em 2007, os agentes da Funai fizeram outra tentativa de contato. Mais uma vez, Tanaru os repeliu, deixando um homem gravemente ferido por uma flecha.

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Assim, ele viveu sem ser incomodado por mais 15 anos enquanto a destruição ambiental continuava ao seu redor em Rondônia, um dos estados mais desmatados da Amazônia. Alguns o chamavam de "homem do buraco", sem saber por que ele e seus parentes faziam as escavações.


Em 2022, Tanaru deitou-se com adornos na cabeça e pescoço em sua rede e morreu. Algayer o encontrou quase um mês depois. Sua morte, que confirmou a extinção de seu povo, tornou o futuro de seus 8 mil hectares de floresta um tema controverso. Advogados locais argumentam contra a demarcação como terra indígena, citando a ausência de população nativa. Procuradores insistem que o território foi historicamente ocupado e, portanto, deve ser protegido, mesmo que não haja mais indígenas vivendo ali. A disputa destaca a luta pelos direitos às terras indígenas e o impacto de atrocidades históricas, incluindo o risco contínuo para povos isolados na Amazônia.

Enquanto Tanaru estava vivo, a Justiça aplicou restrições temporárias de uso para proteger a terra, medidas que geralmente precedem a demarcação permanente de territórios para povos isolados. No entanto, essas medidas não foram eficazes como deveriam, e a restrição de uso tornou-se inválida com a morte de Tanaru.

Sandro Salonski, advogado que representa fazendeiros, afirmou à época que a proteção foi excessiva e "se tornou um instrumento de abuso governamental".

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/09/12/stf-fachin-autoriza-criacao-de-parque-nacional-tanaru-onde-viveu-indio-do-buraco.ghtml
 

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