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Sementes são chave para restaurar a floresta amazônica - e a IA pode acelerar o processo
06/10/2025
Autor: Alice Martins
Fonte: Info Amazonia - https://infoamazonia.org
Às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), o ano de 2025 também marca a metade da Década da Restauração de Ecossistemas. Estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período entre 2021 e 2030, o chamado visa prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos. No entanto, não se esperava que esses primeiros cinco anos de campanha seriam tão críticos em biomas como a Amazônia. A redução da fiscalização e ações de combate ao desmatamento ilegal no início da década, combinado com o efeito severo do El Niño e secas extremas em 2023 e 2024, tornou a tarefa de restaurar a floresta ainda mais desafiadora.
"Não temos tempo a perder, precisamos restaurar da forma mais rápida e assertiva possível. Por isso, temos que usar a tecnologia a nosso favor", enfatiza Lydiane Bastos, engenheira florestal e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sediado em Manaus. Somente em setembro do ano passado, a degradação florestal na Amazônia chegou a mais de 20 mil km², o que equivale a mais de 13 vezes a cidade de São Paulo. Essa foi a maior área atingida pelo dano ambiental nos últimos 15 anos. Os dados são do instituto de pesquisa Imazon, que usa imagens de satélite para monitorar o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia.
Com uma vasta área a ser restaurada em diferentes biomas no Brasil, é preciso definir prioridades. O mapeamento deve considerar as particularidades de cada ecossistema, fazendo o plantio de espécies adequadas a cada ambiente. Além disso, o aumento dos incêndios florestais exige políticas públicas mais agéis e certeiras. "A gente planta num ano, no outro já está tudo perdido. Uma floresta que era úmida, hoje se tornou seca por conta de tantos focos de incêndios acontecendo ao mesmo tempo", contextualiza Lydiane.
Tentando contornar esses obstáculos, a ciência usa diferentes linhas de frente. Na pesquisa de Lydiane, aproveita-se a inteligência artificial para identificar as sementes mais viáveis de espécies florestais nativas da Amazônia. Financiado pelo Instituto Serapilheira e pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), seu projeto está coletando e capturando imagens de sementes de 200 espécies florestais, distribuídas em ecossistemas diversos do Baixo Tapajós, no Pará: várzea, terra firme, igapó e campinarana - um tipo de vegetação que se desenvolve sobre solos arenosos de baixíssima fertilidade, mas que é fundamental para a recuperação de mata ciliar.
Depois de coletar as imagens em equipamentos de raios-X e scanner, a pesquisa correlaciona-as com os testes de germinação realizados no Laboratório de Sementes Florestais da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o único da região Norte certificado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). De acordo com Lydiane, esses protocolos de análise permitem um laudo de qualidade para viabilizar o comércio de sementes. Porém, o processo demora tanto que não raro se torna inviável para essa cadeia.
"Dependendo da espécie, as sementes podem levar semanas, meses ou até anos para germinar. Assim, quando a gente descobre se aquele lote estava viável ou não, ele já está impossibilitado para comércio", aponta.
Além disso, a tecnologia permite identificar quais variedades de uma mesma espécie, como a pupunha, adaptam-se melhor a diferentes ambientes, auxiliando no plantio e na coleta de sementes de populações mais saudáveis e produtivas. O recurso também apoia a identificação de espécies, função antes restrita a análises de DNA, que funciona como um quebra-cabeça: o material genético das células das plantas é cortado em pedaços e cada parte é lida em laboratório. Depois, com ajuda do computador, esses trechos são reunidos, revelando as informações sobre como a planta cresce e se adapta.
Pela forma, peso, tamanho, textura, cor e outras características visíveis nas imagens, é possível diferenciar plantas semelhantes, como no caso das copaíferas, um gênero de árvores tropicais que, frequentemente, são confundidas no campo, porque têm folhas, cascas e tronco muito parecidos, com diferenças apenas em alguns detalhes. Essas informações são organizadas e sintetizadas pelos algoritmos de inteligência artificial em segundos, garantindo precisão e rapidez ao processo, servindo de ferramenta estratégica tanto para coletores quanto para programas de restauração florestal.
"Esse é o mundo mágico da inteligência artificial que a gente pode trazer às espécies florestais, para diferenciar, otimizar recursos e ações de coleta e de plantio", destaca a pesquisadora, animada.
'Esperança está guardada dentro das sementes'
O primeiro passo da pesquisa de Lydiane começa em campo, com a ajuda de coletores de sementes de cada ecossistema mapeado, que guiam a pesquisadora na floresta. A também engenheira florestal Jéssica Reis ajuda na articulação com as comunidades. Ela é coordenadora das atividades do polo de referência do bosque de pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Belterra e atua lado a lado de Lydiane na coleta.
Considerando a meta do Pará de restaurar 5,6 milhões de hectares até o fim da Década da Restauração (2030), Jéssica destaca que envolver a tecnologia nesse tipo de projeto torna o caminho mais fácil. Ou melhor, menos complicado. "Para nós que trabalhamos com restauração, com reflorestamento, é uma esperança ver nossas florestas serem recompostas, replantadas. Essa esperança está guardada dentro das sementes", declara.
Ela lembra dos piores momentos da seca histórica de 2023 e 2024, com incêndios e fumaça densa, que afetou ciclos reprodutivos e atrasou a frutificação de espécies como a andiroba, sinalizando impactos das mudanças climáticas. "Foi um cenário de filme de terror! Tinha muita fumaça, não dava para enxergar o horizonte", conta.
Diante dessa perspectiva e, com muito trabalho pela frente, Jéssica destaca que a inteligência artificial pode ajudar a selecionar boas matrizes (árvores que fornecem material para propagação), tornando o replantio mais eficiente e econômico.
Dados do MapBiomas, sistema que reúne informações dos impactos nos biomas brasileiros e, entre eles, o amazônico, reforçam o quanto a supressão vegetal foi intensa nos últimos dez anos nas regiões dos municípios de Santarém e Belterra, nos quais o projeto das pesquisadoras é desenvolvido junto às comunidades. Foram 236 mil hectares queimados e 89 mil hectares desmatados.
Pesquisadora já vislumbra novas tecnologias para trabalho de campo
Quem coleta a semente na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós precisa conhecer bem o terreno. Na mata fechada, sem trilha certa para se guiar, são subidas e descidas pisando em galhos, desviando de insetos e animais peçonhentos e guiando-se apenas pelos sons e pelas árvores. Exige esforço físico e conhecimento ancestral para não só encontrar as sementes que procura, mas também carregar as sacas pesadas com a coleta de campo para fora da floresta. Agora, imagina se, depois de tudo isso, aquelas sementes não forem ideais para o plantio? Afinal, podem estar ocas ou com fungos, o que invalidaria todo o esforço. É esse tipo de situação que o projeto e a tecnologia buscam evitar.
"Vai reduzir as distâncias e o tempo de trabalho do coletor. A gente vai conseguir descobrir quais matrizes dão mais sementes viáveis, para que se vá direto até elas", acrescenta Lydiane.
Eu sou megalomaníaca. Tenho várias ideias para esse projeto, vou passar a vida toda fazendo isso. Quero criar um aplicativo para que, no celular, o coletor tire uma foto da semente e já saiba qual é o percentual de germinação dela.
Lydiane Bastos, engenheira florestal e pesquisadora do Inpa
Debaixo das copas das árvores, Lydiane respira fundo e toma fôlego enquanto se prepara para colocar a mão na terra e fazer uma nova coleta. Reflexiva, já vislumbra o futuro: "Eu sou megalomaníaca. Tenho várias ideias para esse projeto, vou passar a vida toda fazendo isso. Quero criar um aplicativo para que, no celular, o coletor tire uma foto da semente e já saiba qual é o percentual de germinação dela", planeja.
Para José Viana, melhorar a qualidade do trabalho da coleta é um incentivo para que a população permaneça no território. Os paraenses, inclusive, têm passado por um processo migratório em busca de trabalho, em especial ao estado de Santa Catarina, onde já são o quarto maior grupo de migrantes.
"Eu não tenho nem inveja, nem vontade de ir morar na cidade. Aqui eu me sinto livre", diz José, com um sorriso no rosto. Nascido e criado na Flona do Tapajós, ele não precisa de GPS para se localizar nem mesmo tirar pausas para retomar o fôlego nas longas trilhas que cansam em minutos aqueles que não estão acostumados. "A floresta é minha segunda casa. Não tenho cisma e nem dúvida de errar, já está gravado na mente", afirma.
A floresta é minha segunda casa. Não tenho cisma e nem dúvida de errar, já está gravado na mente.
José Viana, coletor de sementes
Seu pai era seringueiro e ele começou nesse ramo, mas por volta dos 20 anos aproveitou uma oportunidade para trabalhar na botânica, fazendo inventário florestal para empresas. Hoje, está focado na coleta de sementes, entregando-as para a esposa e a filha ajudarem a produzir mudas, que são vendidas a R$ 5,00 a empresas que fazem a restauração florestal no local.
A vizinha, Josiane Cativo, intercala seu dia com atividades de casa, da roça e da floresta. A coleta de sementes na Flona serve para comercializar tanto in natura quanto para produzir mudas de espécies diversas, que também são vendidas para empresas. "A gente ainda não consegue viver só de semente, mas se desse para ganhar dinheiro, eu preferia mil vezes estar mexendo com muda, é um prazer para mim", diz.
Análise pioneira no Norte une instituições
Para avançar em sua pesquisa, Lydiane conta com uma rede de parceiros em diferentes instituições de pesquisa da Amazônia, unindo tecnologias e saberes para somar esforços. Parte das análises começa ali mesmo, próximo das áreas de coleta, no laboratório da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), no município de Santarém. Ali, seguindo protocolos do Ministério da Agricultura, as sementes são armazenadas, avaliadas e recebem as condições ideais para germinar.
De acordo com o professor Everton Almeida, coordenador do espaço que surgiu ainda no final da década de 1970, foram mais de dez anos para conseguirem preparar o laboratório, qualificar as pessoas e estabelecer esse padrão de qualidade. "Depois do credenciamento, várias outras instituições nos procuraram também para aprender com esse processo. Estamos tentando articular cada vez mais com outras iniciativas e pesquisadores, para ajudar como pudermos com a cadeia da restauração florestal", explica.
As sementes viajam até uma das instituições aliadas, onde Lydiane também atua: o Centro de Sementes Nativas do Amazonas (CSNAM), em Manaus, que tem o único raio-x da região Norte propício para esse tipo de trabalho, além de um scanner de alta resolução de imagens. Assim, é possível identificar se há danos ou má formação no interior das sementes sem precisar abri-las. Novamente, é a tecnologia de ponta como aliada da natureza.
Em Belém, no Museu Paraense Emílio Goeldi, está instalado o segundo scanner de alta resolução da Amazônia Legal. Por isso, o intercâmbio de conhecimento e experiência entre as duas instituições é essencial.
"A Lydiane também trabalha no mesmo ramo, nós temos o mesmo equipamento e nos encontramos o ano passado e observamos que temos as mesmas características de trabalho. Por isso, resolvemos trocar experiências e conhecimentos dentro de todo o contexto de tecnologia de semente nativas da Amazônia", explica pesquisadora do Museu Goeldi, Olivia Ribeiro, que usa a inteligência artificial para fazer a caracterização, das espécies florestais nativas da Amazônia, ou seja, uma descrição detalhada de suas características físicas, morfológicas e funcionais.
Apropriando-se de tecnologias que o agronegócio já utiliza há 60 anos
Lydiane explica que a proposta é trazer a ciência florestal e a silvicultura de espécies nativas para a era tecnológica, aproximando o estudo das sementes da realidade atual. "Essa é uma pesquisa que já existe na agronomia há muitos anos. Desde os anos 60 já utilizam raio-x para soja, por exemplo. E as florestas sempre foram vistas como secundárias na aplicação dessa tecnologia e desse conhecimento", frisa.
O professor da UFOPA, Túlio Silva, integrante do projeto de IA de Lydiane, explicou que a tecnologia utilizada pode ser usada para ir além da viabilidade das sementes, já que pode trazer respostas sobre os efeitos de agrotóxicos nas espécies florestais.
Por exemplo, diante de um cenário em que a área correspondente aos municípios de Santarém e Belterra perdeu, de 2014 a 2024, 56 mil hectares de florestas, as quais viraram pastagem, é perceptível, ao transitar pela região, como a floresta protegida está cercada de fazenda de soja ou de gado em vários pontos.
Então, a equipe investiga como a aplicação de pesticidas nessas áreas vizinhas podem afetar a floresta nativa próxima, quanto à germinação e ao desenvolvimento inicial de espécies florestais, mais vulneráveis que plantas adultas. "A região de Santarém é uma área de fronteira agrícola em que a agricultura está crescendo muito. Quando abre um espaço para lavoura, na maioria dos casos, é cercado por uma floresta. Por isso, será que esse defensivo pode também prejudicar o crescimento inicial de um vegetal numa área próxima?", questiona.
Essa é uma das amostras de como a pesquisa da Lydiane pode se expandir. Além de prever a viabilidade das sementes, a inteligência artificial pode ajudar a revelar impactos das atividades humanas, como o uso de pesticidas, sobre o crescimento inicial das espécies florestais. Logo, com mais pesquisas como a dela, mais respostas a perguntas científicas podem ser reveladas, desvendando enigmas da Amazônia e abrindo caminhos para que a restauração florestal seja cada vez mais eficiente e resiliente.
https://infoamazonia.org/2025/10/06/sementes-sao-chave-para-restaurar-a-floresta-amazonica-e-a-ia-pode-acelerar-o-processo/
"Não temos tempo a perder, precisamos restaurar da forma mais rápida e assertiva possível. Por isso, temos que usar a tecnologia a nosso favor", enfatiza Lydiane Bastos, engenheira florestal e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sediado em Manaus. Somente em setembro do ano passado, a degradação florestal na Amazônia chegou a mais de 20 mil km², o que equivale a mais de 13 vezes a cidade de São Paulo. Essa foi a maior área atingida pelo dano ambiental nos últimos 15 anos. Os dados são do instituto de pesquisa Imazon, que usa imagens de satélite para monitorar o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia.
Com uma vasta área a ser restaurada em diferentes biomas no Brasil, é preciso definir prioridades. O mapeamento deve considerar as particularidades de cada ecossistema, fazendo o plantio de espécies adequadas a cada ambiente. Além disso, o aumento dos incêndios florestais exige políticas públicas mais agéis e certeiras. "A gente planta num ano, no outro já está tudo perdido. Uma floresta que era úmida, hoje se tornou seca por conta de tantos focos de incêndios acontecendo ao mesmo tempo", contextualiza Lydiane.
Tentando contornar esses obstáculos, a ciência usa diferentes linhas de frente. Na pesquisa de Lydiane, aproveita-se a inteligência artificial para identificar as sementes mais viáveis de espécies florestais nativas da Amazônia. Financiado pelo Instituto Serapilheira e pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), seu projeto está coletando e capturando imagens de sementes de 200 espécies florestais, distribuídas em ecossistemas diversos do Baixo Tapajós, no Pará: várzea, terra firme, igapó e campinarana - um tipo de vegetação que se desenvolve sobre solos arenosos de baixíssima fertilidade, mas que é fundamental para a recuperação de mata ciliar.
Depois de coletar as imagens em equipamentos de raios-X e scanner, a pesquisa correlaciona-as com os testes de germinação realizados no Laboratório de Sementes Florestais da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o único da região Norte certificado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). De acordo com Lydiane, esses protocolos de análise permitem um laudo de qualidade para viabilizar o comércio de sementes. Porém, o processo demora tanto que não raro se torna inviável para essa cadeia.
"Dependendo da espécie, as sementes podem levar semanas, meses ou até anos para germinar. Assim, quando a gente descobre se aquele lote estava viável ou não, ele já está impossibilitado para comércio", aponta.
Além disso, a tecnologia permite identificar quais variedades de uma mesma espécie, como a pupunha, adaptam-se melhor a diferentes ambientes, auxiliando no plantio e na coleta de sementes de populações mais saudáveis e produtivas. O recurso também apoia a identificação de espécies, função antes restrita a análises de DNA, que funciona como um quebra-cabeça: o material genético das células das plantas é cortado em pedaços e cada parte é lida em laboratório. Depois, com ajuda do computador, esses trechos são reunidos, revelando as informações sobre como a planta cresce e se adapta.
Pela forma, peso, tamanho, textura, cor e outras características visíveis nas imagens, é possível diferenciar plantas semelhantes, como no caso das copaíferas, um gênero de árvores tropicais que, frequentemente, são confundidas no campo, porque têm folhas, cascas e tronco muito parecidos, com diferenças apenas em alguns detalhes. Essas informações são organizadas e sintetizadas pelos algoritmos de inteligência artificial em segundos, garantindo precisão e rapidez ao processo, servindo de ferramenta estratégica tanto para coletores quanto para programas de restauração florestal.
"Esse é o mundo mágico da inteligência artificial que a gente pode trazer às espécies florestais, para diferenciar, otimizar recursos e ações de coleta e de plantio", destaca a pesquisadora, animada.
'Esperança está guardada dentro das sementes'
O primeiro passo da pesquisa de Lydiane começa em campo, com a ajuda de coletores de sementes de cada ecossistema mapeado, que guiam a pesquisadora na floresta. A também engenheira florestal Jéssica Reis ajuda na articulação com as comunidades. Ela é coordenadora das atividades do polo de referência do bosque de pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Belterra e atua lado a lado de Lydiane na coleta.
Considerando a meta do Pará de restaurar 5,6 milhões de hectares até o fim da Década da Restauração (2030), Jéssica destaca que envolver a tecnologia nesse tipo de projeto torna o caminho mais fácil. Ou melhor, menos complicado. "Para nós que trabalhamos com restauração, com reflorestamento, é uma esperança ver nossas florestas serem recompostas, replantadas. Essa esperança está guardada dentro das sementes", declara.
Ela lembra dos piores momentos da seca histórica de 2023 e 2024, com incêndios e fumaça densa, que afetou ciclos reprodutivos e atrasou a frutificação de espécies como a andiroba, sinalizando impactos das mudanças climáticas. "Foi um cenário de filme de terror! Tinha muita fumaça, não dava para enxergar o horizonte", conta.
Diante dessa perspectiva e, com muito trabalho pela frente, Jéssica destaca que a inteligência artificial pode ajudar a selecionar boas matrizes (árvores que fornecem material para propagação), tornando o replantio mais eficiente e econômico.
Dados do MapBiomas, sistema que reúne informações dos impactos nos biomas brasileiros e, entre eles, o amazônico, reforçam o quanto a supressão vegetal foi intensa nos últimos dez anos nas regiões dos municípios de Santarém e Belterra, nos quais o projeto das pesquisadoras é desenvolvido junto às comunidades. Foram 236 mil hectares queimados e 89 mil hectares desmatados.
Pesquisadora já vislumbra novas tecnologias para trabalho de campo
Quem coleta a semente na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós precisa conhecer bem o terreno. Na mata fechada, sem trilha certa para se guiar, são subidas e descidas pisando em galhos, desviando de insetos e animais peçonhentos e guiando-se apenas pelos sons e pelas árvores. Exige esforço físico e conhecimento ancestral para não só encontrar as sementes que procura, mas também carregar as sacas pesadas com a coleta de campo para fora da floresta. Agora, imagina se, depois de tudo isso, aquelas sementes não forem ideais para o plantio? Afinal, podem estar ocas ou com fungos, o que invalidaria todo o esforço. É esse tipo de situação que o projeto e a tecnologia buscam evitar.
"Vai reduzir as distâncias e o tempo de trabalho do coletor. A gente vai conseguir descobrir quais matrizes dão mais sementes viáveis, para que se vá direto até elas", acrescenta Lydiane.
Eu sou megalomaníaca. Tenho várias ideias para esse projeto, vou passar a vida toda fazendo isso. Quero criar um aplicativo para que, no celular, o coletor tire uma foto da semente e já saiba qual é o percentual de germinação dela.
Lydiane Bastos, engenheira florestal e pesquisadora do Inpa
Debaixo das copas das árvores, Lydiane respira fundo e toma fôlego enquanto se prepara para colocar a mão na terra e fazer uma nova coleta. Reflexiva, já vislumbra o futuro: "Eu sou megalomaníaca. Tenho várias ideias para esse projeto, vou passar a vida toda fazendo isso. Quero criar um aplicativo para que, no celular, o coletor tire uma foto da semente e já saiba qual é o percentual de germinação dela", planeja.
Para José Viana, melhorar a qualidade do trabalho da coleta é um incentivo para que a população permaneça no território. Os paraenses, inclusive, têm passado por um processo migratório em busca de trabalho, em especial ao estado de Santa Catarina, onde já são o quarto maior grupo de migrantes.
"Eu não tenho nem inveja, nem vontade de ir morar na cidade. Aqui eu me sinto livre", diz José, com um sorriso no rosto. Nascido e criado na Flona do Tapajós, ele não precisa de GPS para se localizar nem mesmo tirar pausas para retomar o fôlego nas longas trilhas que cansam em minutos aqueles que não estão acostumados. "A floresta é minha segunda casa. Não tenho cisma e nem dúvida de errar, já está gravado na mente", afirma.
A floresta é minha segunda casa. Não tenho cisma e nem dúvida de errar, já está gravado na mente.
José Viana, coletor de sementes
Seu pai era seringueiro e ele começou nesse ramo, mas por volta dos 20 anos aproveitou uma oportunidade para trabalhar na botânica, fazendo inventário florestal para empresas. Hoje, está focado na coleta de sementes, entregando-as para a esposa e a filha ajudarem a produzir mudas, que são vendidas a R$ 5,00 a empresas que fazem a restauração florestal no local.
A vizinha, Josiane Cativo, intercala seu dia com atividades de casa, da roça e da floresta. A coleta de sementes na Flona serve para comercializar tanto in natura quanto para produzir mudas de espécies diversas, que também são vendidas para empresas. "A gente ainda não consegue viver só de semente, mas se desse para ganhar dinheiro, eu preferia mil vezes estar mexendo com muda, é um prazer para mim", diz.
Análise pioneira no Norte une instituições
Para avançar em sua pesquisa, Lydiane conta com uma rede de parceiros em diferentes instituições de pesquisa da Amazônia, unindo tecnologias e saberes para somar esforços. Parte das análises começa ali mesmo, próximo das áreas de coleta, no laboratório da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), no município de Santarém. Ali, seguindo protocolos do Ministério da Agricultura, as sementes são armazenadas, avaliadas e recebem as condições ideais para germinar.
De acordo com o professor Everton Almeida, coordenador do espaço que surgiu ainda no final da década de 1970, foram mais de dez anos para conseguirem preparar o laboratório, qualificar as pessoas e estabelecer esse padrão de qualidade. "Depois do credenciamento, várias outras instituições nos procuraram também para aprender com esse processo. Estamos tentando articular cada vez mais com outras iniciativas e pesquisadores, para ajudar como pudermos com a cadeia da restauração florestal", explica.
As sementes viajam até uma das instituições aliadas, onde Lydiane também atua: o Centro de Sementes Nativas do Amazonas (CSNAM), em Manaus, que tem o único raio-x da região Norte propício para esse tipo de trabalho, além de um scanner de alta resolução de imagens. Assim, é possível identificar se há danos ou má formação no interior das sementes sem precisar abri-las. Novamente, é a tecnologia de ponta como aliada da natureza.
Em Belém, no Museu Paraense Emílio Goeldi, está instalado o segundo scanner de alta resolução da Amazônia Legal. Por isso, o intercâmbio de conhecimento e experiência entre as duas instituições é essencial.
"A Lydiane também trabalha no mesmo ramo, nós temos o mesmo equipamento e nos encontramos o ano passado e observamos que temos as mesmas características de trabalho. Por isso, resolvemos trocar experiências e conhecimentos dentro de todo o contexto de tecnologia de semente nativas da Amazônia", explica pesquisadora do Museu Goeldi, Olivia Ribeiro, que usa a inteligência artificial para fazer a caracterização, das espécies florestais nativas da Amazônia, ou seja, uma descrição detalhada de suas características físicas, morfológicas e funcionais.
Apropriando-se de tecnologias que o agronegócio já utiliza há 60 anos
Lydiane explica que a proposta é trazer a ciência florestal e a silvicultura de espécies nativas para a era tecnológica, aproximando o estudo das sementes da realidade atual. "Essa é uma pesquisa que já existe na agronomia há muitos anos. Desde os anos 60 já utilizam raio-x para soja, por exemplo. E as florestas sempre foram vistas como secundárias na aplicação dessa tecnologia e desse conhecimento", frisa.
O professor da UFOPA, Túlio Silva, integrante do projeto de IA de Lydiane, explicou que a tecnologia utilizada pode ser usada para ir além da viabilidade das sementes, já que pode trazer respostas sobre os efeitos de agrotóxicos nas espécies florestais.
Por exemplo, diante de um cenário em que a área correspondente aos municípios de Santarém e Belterra perdeu, de 2014 a 2024, 56 mil hectares de florestas, as quais viraram pastagem, é perceptível, ao transitar pela região, como a floresta protegida está cercada de fazenda de soja ou de gado em vários pontos.
Então, a equipe investiga como a aplicação de pesticidas nessas áreas vizinhas podem afetar a floresta nativa próxima, quanto à germinação e ao desenvolvimento inicial de espécies florestais, mais vulneráveis que plantas adultas. "A região de Santarém é uma área de fronteira agrícola em que a agricultura está crescendo muito. Quando abre um espaço para lavoura, na maioria dos casos, é cercado por uma floresta. Por isso, será que esse defensivo pode também prejudicar o crescimento inicial de um vegetal numa área próxima?", questiona.
Essa é uma das amostras de como a pesquisa da Lydiane pode se expandir. Além de prever a viabilidade das sementes, a inteligência artificial pode ajudar a revelar impactos das atividades humanas, como o uso de pesticidas, sobre o crescimento inicial das espécies florestais. Logo, com mais pesquisas como a dela, mais respostas a perguntas científicas podem ser reveladas, desvendando enigmas da Amazônia e abrindo caminhos para que a restauração florestal seja cada vez mais eficiente e resiliente.
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