De Povos Indígenas no Brasil

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Reserva ganha projeto inédito de reflorestamento entre índios

17/04/2001

Autor: Silvio Carvalho

Fonte: A Gazeta - Cuiabá - MT



Um projeto inédito de reflorestamento entre povos indígenas está começando na reserva Parabubure (localizada no município de Campinápolis) como forma de preservar a cultura e identidade nativas. Contando com a orientação do padre italiano Ângelo Pansa, os índios já produziram e plantaram apenas no primeiro ano do projeto (1999), 185 mil mudas. Já em 2000, o número saltou para 270 mil. Conhecido como "Operação Xavante", o trabalho já conseguiu reflorestar uma área de 1.200 ha - dos quais 200 estão sendo cultivados pelos próprios indígenas. Ao todo, são 287 espécies nativas utilizadas na reconstituição da biodiversidade local. "Mas a visibilidade do impacto ocorrerá daqui a dez anos", prevê o missionário italiano, informando que montaram viveiros para 2.900 índios, espalhados em 47 aldeias. Trata-se de projeto de reconstituição da cobertura vegetal nativa da região amazônica mato-grossense, com duração de dez anos. Os recursos - US$ 50 mil/ ano - são oriundos de um grupo de empresários madeireiros italianos, contactados por Ângelo Pansa. No entanto, o objetivo transcende a mera reposição florestal em virtude de levar em consideração um aspecto fundamental da cultura xavante - a sacralidade das árvores, elementos de ligação entre céu e Terra. "Precisávamos encontrar o elo mais fraco da corrente que estava sendo atingida e criava este desequilíbrio", explica o padre, frisando que tal "elo" estava sendo impactado pelo desmatamento. Com a expansão das frentes de desenvolvimento econômico no Centro-Oeste, o desmatamento e a depredação começaram a "tirar a possibilidade de gestão autônoma e cultural" dos índios. O resultado deste processo foi a crescente perda de identidade por parte dos xavantes, desconectados do elemento (a árvore) que os uniu, de forma sagrada, a céu e Terra (seu centro de existência). A alternativa diante do impasse foi tentar refazer a área, conferindo-lhe novamente o valor fundamental da vida (a liberdade). Ângelo Pansa observa que os territórios indígenas foram sendo, paulatinamente, repartidos pelas frentes de expansão, processo que impactou uma relação milenar entre estes grupos humanos e a natureza. É ele mesmo quem cita um dos ditados xavantes: "O dia em que se derrubar a última árvore, o céu caíra sobre nossas cabeças". Pansa considera que, dentro desta cultura, água, ar e alimentos estão instrinsecamente unidos pela árvore. Ele pondera que as cabeceiras dos rios estão sendo atingidas em função do desmate, queimadas e monoculturas - o que também tende a envenenar os recursos hídricos. "A questão então passou a ser: vamos repor as árvores como?", conta Pansa, lembrando que faltavam recursos humanos e financeiros. A área xavante estava muito empobrecida, sem cobertura vegetal nativa, principalmente nas cabeceiras dos grandes cursos d"água - os índios chegaram a ser pagos para cortar as árvores do território e vendê-las. Outra dificuldade surgiu em virtude dos xavantes, apesar de ser um grupo forte, socialmente bem estruturado e guerreiro, não ter tradição agrícola. Dificuldade transposta mediante o esforço dos dois lados. "O reflorestamento também é a possibilidade de recriar a biodiversidade", analisa, ditando que, juntos, puderam lançar mão de 287 espécies diferentes nativas. Os módulos experimentais do projeto-piloto foram de 50 X 50 m. Perguntado sobre o lucro proveniente do replantio e da possibilidade de venda de produtos das essências nativas, Pansa afirma que o lucro "é o próprio ar que se respira". Os colonos do município de Campinápolis também aderiram ao projeto.

Projeto foi debatido com índios antes de ter sido implantado

O padre italiano Ângelo Pansa pondera que a execução do projeto de reflorestamento de espécies arbóreas da região mato-grossense contou com várias discussões anteriores, travadas pelos próprios povos indígenas. Em Altamira (PA), no I Encontro dos Povos Indígenas, os nativos chegaram à conclusão de que o desmatamento deveria ser coibido mediante a adoção de técnicas comprometidas com a sustentabilidade ambiental. Já na Eco-92, apesar de todas as discussões, os principais projetos "ficaram só no papel". Pansa critica que a gestão dos recursos naturais continua sendo feita sem nenhum comprometimento com o futuro. "Qual nosso futuro, se continuarmos com este ritmo de consumo?", indaga o missionário. Do contrário, acredita ele, esta "dívida" pode ser paga pelas gerações futuras. Para Pansa, trata-se do raciocínio que pode ser aplicado à questão da dívida externa. Outra das vantagens que estão sendo obtida é que os índios, especialmente os mais velhos, conhecem profundamente a utilização das espécies nativas - ou implantadas há muito tempo no território. É o caso do Muguba, originária da África, trazida pelos escravos africanos nos porões dos navios em virtude de se alimentarem de suas sementes para conseguir sobreviver. No entanto, as sementes explodem a casca do fruto se projetando diversos metros da árvore. A solução, encontrada pelos índios, foi adiantar o período da colheita alguns dias. Seu fruto também pode ser utilizado para a confecção de sabão ao passo que a árvore (que faz bom sombreamento) tem folhas grandes que podem ser usadas para adubo em função de sua rápida decomposição. Seu tronco também pode servir para obtenção de celulose. Além disto, ela atrae abelhas.
 

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