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Índias ligam chacina a estupro e prostituição

10/05/2004

Fonte: FSP, Brasil, p.A6



Índias ligam chacina a estupro e prostituição
Garimpo teria atraído prostitutas à reserva; mulheres cintas-largas pressionaram índios a expulsar garimpeiros

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, NA TERRA INDÍGENA ROOSEVELT (RO)

Índias cintas-largas da terra indígena Roosevelt, em Espigão d'Oeste (RO), disseram que a entrada de garimpeiros brancos na reserva, para extração de diamantes, facilitou a presença de prostitutas na área, que acabaram se envolvendo com homens da tribo. Uma das mulheres da reserva chegou a afirmar também que algumas índias sofreram violência sexual por parte dos garimpeiros. Com medo de serem abandonadas, elas pressionaram os chefes tribais para que retirassem os garimpeiros brancos da área e passaram a acompanhar os maridos na extração dos diamantes. No dia 7 de abril, ao menos 29 garimpeiros morreram em conflito com os índios no garimpo conhecido como Grota do Sossego, situado dentro da terra indígena. Desde então, o acesso à reserva é vigiado por soldados do Exército, policiais federais e militares em quatro barreiras. Na última sexta-feira, durante reunião das lideranças cintas-largas, na aldeia do chefe João Bravo Cinta Larga, com representantes da Funai e da Polícia Federal, três mulheres relataram à Agência Folha os problemas com a entrada de mais de 5.000 garimpeiros na reserva, entre 1999 e 2003. "Quando os maridos se juntaram com os brancos [garimpeiros], iam embora e deixavam nós. Eles [os maridos] se envolviam com mulher branca e deixaram nós abandonadas. Não gostamos disso, ficamos jogadas", disse Neide Cinta Larga, 26. Ela é a terceira mulher do chefe João Bravo, que tem 22 filhos: seis deles são com Neide, sete são com sua primeira mulher, Joanita, e mais sete com a sua segunda mulher, Chibite. Os outros dois filhos do líder indígena são de mulheres de fora da aldeia. Casamento O casamento entre cintas-largas pode ser feito a partir dos 12 anos de idade. O homem pode casar com mais de três mulheres, desde que seja capaz de sustentá-las. "As mulheres tinham muito medo de perder o marido. Tudo mudou na nossa aldeia [com a chegada dos brancos], não tinha [liberdade] de andar por aí e havia muita discriminação [dos garimpeiros] contra nós", disse Neide. Outra índia, Peneta Cinta Larga, 38, disse que os brancos estupraram algumas mulheres. Não soube precisar quantas, mas disse que uma era casada com um chefe. "Foi muito triste isso [a violência sexual]. Ficamos com medo." Peneta, que tem seis filhos com um chefe-mas prefere não identificá-lo-, disse que as crianças sentiam saudade dos pais, pois eles ficavam muito tempo fora da aldeia, em companhia dos brancos no garimpo. Ela conta que, em novembro do ano passado, começaram a pressionar os maridos. "Então pedimos a eles para não fazer isso [ir para o garimpo com os brancos] e não arranjar mulher branca." Mas com Lúcia Cinta Larga a pressão não funcionou. Segundo ela, seu marido, o chefe Carlão Cinta Larga, levou uma branca para dentro de casa. "Carlão estava com branca. Era prostituta. Eu peguei e dei uma surra nela. Ele não gostou e foi embora." Separada e com dois filhos, Lúcia foi para o garimpo -a 40 km da aldeia- trabalhar como cozinheira. "Ele não dava comida para meus filhos e tive que trabalhar [no garimpo] para sustentar a casa", disse. Peneta afirmou que os problemas com as prostitutas acabaram após a retirada dos garimpeiros. "Os homens voltaram para casa. Aqui na aldeia não entra mulher branca, só com autorização, como você fez." A Agência Folha foi autorizada pelo chefe João Bravo a entrar na aldeia. Funai e PF O assessor de imprensa da Funai (Fundação Nacional do Índio) Carlos Tavares afirmou que o órgão recebeu relatos de denúncias de estupro contra mulheres cintas-largas e as encaminhou à Polícia Federal, mas não soube precisar se foi aberto inquérito para investigar o caso. O superintendente da PF em Porto Velho (RO), delegado Marcos Aurélio Moura, não tem conhecimento do fato. "Não é do meu conhecimento [as denúncia] e não posso dizer nada", afirmou. O sindicalista Celso Fantin, do Sindicato dos Garimpeiros de Espigão d'Oeste, negou a ocorrência de estupros contra as indígenas. "Se acontecesse isso [a violência sexual], os índios matariam na hora o garimpeiro."

Crianças deixam de freqüentar escolas em RO
DA AGÊNCIA FOLHA, NA TERRA INDÍGENA ROOSEVELT (RO) As crianças cintas-largas deixaram de ir às escolas de Espigão d'Oeste e de Cacoal depois do massacre de ao menos 29 garimpeiros na reserva Roosevelt. Depois das mortes (em 7 de abril) e da retirada dos garimpeiros da reserva pela Polícia Federal, elas permaneceram nas aldeias com suas famílias. Muitos índios têm moradia fixa em um dos municípios, mas, em razão do clima tenso e da possibilidade de confronto com garimpeiros, toda a tribo permaneceu nas aldeias. É o caso de Wellington, 11. "Um bandido foi até minha casa ameaçar a gente. Fomos correndo para a polícia, pois ele era um cobrador de diamantes suspeito. Fomos para a delegacia denunciar", disse Wellington. O garoto está matriculado no quinto ano do ensino fundamental. Ele é filho do chefe João Bravo Cinta Larga, que morava em Cacoal. Segundo ele, a ameaça aconteceu no final de abril e foi registrada na delegacia da Polícia Civil. Wellington afirma que tem saudade da escola, mas que é perigoso voltar para a cidade. "Eu gosto muito da escola, quero estudar para ser advogado e defender meu povo, mas meu pai acha melhor não arriscar." De acordo com os cintas-largas, não há professores nas 12 aldeias existentes na reserva Roosevelt. Os indígenas afirmam que, nas aldeias, há 700 crianças e adolescentes, mas não sabem informar quantas estão em idade escolar. "Eu queria que tivesse escola aqui [na aldeia]", disse Rosana, 14, irmã de Wellington. No mês passado, uma professora disse que os pais ficaram com medo de deixar os filhos saírem da aldeia após o massacre. (KÁTIA BRASIL)



FSP, 10/05/2004, p. A6
 

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