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Tristes tribos dos indiozinhos famintos

27/02/2005

Fonte: OESP, Nacional, p.A11



Tristes tribos dos indiozinhos famintos
Entre caiovás e terenas do MS, superlotação leva crianças a morrerem de desnutrição
Nicola Pamplona
Enviado especial
Dourados - Na parte de trás da carroça, a pequena Indaieli, de 1 ano e 11 meses, dorme no colo da irmã mais velha.
Ela acaba de voltar do posto de saúde, perdeu um quilo na última semana. "Ela está com diarréia. Disseram que foi alguma coisa que ela comeu", diz o pai, Florindo Ferreira, índio da etnia caiová que vive de fazer bicos em plantações das redondezas. A poucos quilômetros dali, Letícia, apenas um mês mais velha, já recuperada, brinca com as irmãs. Também teve diarréia, mas o motivo, segundo a mãe ouviu no posto de saúde, foi a água que a família bebe.
Criança doente é coisa comum entre as crianças da reserva indígena de Dourados, 220 quilômetros ao sul de Campo Grande, onde 11 mil índios de três etnias - caiová, nhandeva e terena - dividem 3,5 mil hectares de terra. Pode ser apenas coisa passageira, reflexo das más condições de higiene no local, como no caso de Letícia, mas em alguns casos revela-se um sintoma da desnutrição, que já matou cinco crianças na região desde o início do ano. Estima-se que 250 pequenos índios sofram do mal. Mais de 30 estão internados na missão indígena da aldeia Jaguapiru e no Hospital da Mulher no centro da cidade.
Os números deixam claro o tamanho da crise: em 2004, Mato Grosso do Sul teve uma das piores taxas de mortalidade infantil entre os índios brasileiros, de 70,53 mortos para cada mil nascidos, dados de novembro - a média nacional foi de 46. O Estado foi o único no Brasil onde essa taxa cresceu entre os índios, revertendo uma tendência de queda que já durava cinco anos. "A situação está chegando ao limite da tolerância, da possibilidade de convivência humana", admite o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes.
É consenso entre governo, agentes de saúde e os próprios índios que a superlotação da área indígena é a raiz do problema. Criada em 1928, a reserva de Dourados agrega as aldeias Bororo e Jaguapiru. É a mais populosa do País. Se fosse usada para reforma agrária, a área comportaria apenas 200 famílias. Quando comparada às reservas dos caiapós, no Amazonas, a diferença é gritante: lá, ao todo, são 12 milhões de hectares para 5,5 mil índios.
"Mais miséria vem aí", alerta o capitão indígena (posição equivalente ao cacique em outras etnias) Luciano Arévalo, da aldeia bororo. Ele aponta para terrenos onde antes havia plantações e hoje há apenas mato: "Este ano os tratores quebraram, veio a chuva e não conseguimos plantar a safra", conta, referindo-se a equipamentos cedidos pela Funai para auxiliar os índios no plantio.
O governo distribui cestas básicas na região, mas os índios reclamam que as cestas não chegam ao fim do mês. "E precisamos de dinheiro para comprar roupas e sabonete", reclama Florindo, pai de Indaieli e de mais três crianças.
ÁGUA MORTAL
A água é apontada por moradores como outra causa de doenças. A aldeia é ligada à rede de abastecimento de Dourados, mas o fornecimento só é feito em determinados horários. "A água só chega à noite. Durante o dia, temos de buscar no açude", reclama Iolanda Benitez, avó de Letícia. A menina passou mal por causa da água do açude do Bororo, que, segundo o capitão Luciano, pode estar contaminada. O açude fica a menos de um quilômetro do lixão de Dourados e há suspeitas de que o chorume tenha contaminado lençóis freáticos.
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vem tomando medidas de emergência na região, como o aumento no número de agentes de saúde e assinatura de convênios para ampliação da rede de saneamento básico. Nada disso terá efeito de longo prazo, porém, se uma política de realocação de parte dos habitantes não for posta em prática, ressalta o presidente da Funai.
"Essas ações são de curto e médio prazo, mas temos de conseguir outras terras para esses índios", explica. Há 30 anos, diz, viviam ali 3 mil pessoas, mas um violento processo de migração, provocado pela substituição de outras aldeias por grandes plantações, praticamente quadruplicou essa população.
A reserva está encravada em meio a grandes plantações de soja, o que torna praticamente inviável a ampliação de seus limites - e provoca um contraste desconfortável entre as caminhonetes importadas dos fazendeiros e a pobreza em que vive a população indígena.
Gomes diz que outras terras já em fase de demarcação no Estado enfrentam ações na Justiça, processo lento demais para a urgência que têm os índios de Dourados. A Funai analisa terras de floresta, em outros Estados, mas ainda não há definições nesse sentido. "Não há remédio de curto prazo para essa situação", conclui o presidente da Funai.

OESP, 27/02/2005, p.A11
 

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