De Povos Indígenas no Brasil

Noticias

Índios Kariri-Xocó lutam pela valorização de sua cultura

26/08/2007

Autor: Bruna Hercog

Fonte: Agência A Tarde



Eles não andam nus, não são selvagens e nem estão apenas nos livros de História. São crianças, mulheres e homens que estudam, trabalham e lutam diariamente para manter viva a história de seu povo. Os índios Kariri-Xocó moram há 12 anos na reserva Thá-Fene (Semente Viva), localizada no bairro de Quingoma, em Portão (Lauro de Freitas), a 30km de Salvador. Eles deixaram a aldeia nativa em Alagoas, em busca de melhores condições de sobrevivência nas terrasf baianas. Chegar a Thá-Fene é, pelo menos por alguns instantes, esquecer os sons, as cores e confusões do cotidiano da cidade grande e se entregar a uma energia diferente.

O terreno que abriga a reserva tem uma extensão de 28 mil m², uma casa (onde as famílias vivem), um lago e muita área verde. Apesar de não viverem mais da agricultura e terem aprendido "a caçar nos supermercados", como brinca o índio Lymbo Andreliano Perigipe Santos, 30, é possível encontrar no terreno plantação de aipim, batata doce e frutas. Para se sentirem mais próximos de suas raízes, sempre que vão a Alagoas trazem algumas sementes de árvores como o angico. "Suas folhas são ótimas para afastar mau olhado e para curar diarréia e inflamação na garganta", explica Lymbo.

A saga dos Kariri-Xocó começou em 1995, quando Wakay Cícero Pontes, 33, decidiu deixar a aldeia à procura de condições dignas para o seu povo. Filho de Kariri com Funiô, Wakay revela que a Bahia não foi escolhida por acaso. "Pesquisei muito antes de decidir para onde iria. Escolhi a Bahia, porque minha ancestralidade está toda aqui nesta terra", conta Wakay. Ao chegar, o índio enfrentou muitas dificuldades e só trouxe a família para cá quando a situação já estava mais estável. "Andei muito nessa cidade grande, conheci muita coisa, lutei muito. Mas, quando você é verdadeiro, encontra verdade. Quando é mentiroso, encontra mentira. Simples assim", revela.

Aos poucos, o índio foi conhecendo pessoas pelo caminho. A primeira da lista foi a artista plástica, antropóloga, psicopedagoga e ambientalista, Débora Fontes. Eles se conheceram em 1996, quanto Wakay andava pelas ruas de Lauro de Freitas se oferecendo para ensinar a língua, a dança e a cultura indígena nas escolas. "Na época, eu estudava antropologia, me encantei pela história das populações indígenas e decidi trabalhar com o tema. Para mim, foi como entrar em contato com meus ancestrais, com minha história. Me sentia em casa com os Kariri-Xocó", confessa Débora. Ela foi algumas vezes a Alagoas, onde travou contato com os índios da aldeia. No mesmo ano, recebeu um terreno do seu pai e, com o total apoio dos irmãos, decidiu oferecê-lo a Wakay que, assim, pôde trazer a sua e outras famílias da aldeia e continuar a desenvolver o trabalho de educação que havia iniciado.

Depois da doação do terreno, dez famílias da aldeia encararam o desafio de migrar para a Bahia e começaram a batalhar por recursos para a construção de uma casa. "Tem muita gente que pensa que ainda vivemos em oca, mas não é bem assim", lembra Wakay. Em 2004, firmaram parceria com a Fábrica de Brinquedos Rosita. "Estávamos interessados em fazer uma linha de brinquedos que valorizasse a cultura brasileira, a história de nossa gente. Já estávamos cansados dos personagens da moda", explica o diretor comercial da fábrica, Antônio Brandino.

Foi assim que surgiu a linha de brinquedos "Guardião da Floresta", explorada durante dois anos pela empresa. Parte do faturamento dos produtos vendidos foi utilizada para a construção de uma casa na reserva. "Tivemos algumas repercussões bem interessantes com o projeto, mas com relação à aceitação dos produtos, não tivemos retorno financeiro satisfatório", conta Brandino. Apesar da parceria ter acabado, o diretor comercial decidiu, individualmente, continuar a apoiar os índios. Atualmente, ele paga a faculdade de Pedagogia de Lymbo, que se forma no final deste ano.

FONTES DE RENDA - Para sobreviver e investir na divulgação e valorização da cultura indígena, os Kariri-Xocó realizam oficinas em escolas, recebem grupos de visitantes na reserva, fazem apresentações culturais, vendem o artesanato que produzem, o livro "Índio na Visão dos Índios", publicado em 2000 e o CD de Wakay. Tanto Wakay quanto Lymbo, índios que ficam à frente desse trabalho, consideram fundamental que as pessoas conheçam a cultura indígena para que o preconceito contra as populações indígenas acabe.

Para eles, o que existe é um grande desencontro de informações entre o que aprendem na escola e o que é a realidade das populações indígenas brasileiras. Para tentar minimizar esse choque cultural destacado pelos índios, a agente pastoral do Colégio Antônio Vieira, Rita Tzran, juntamente com outros profissionais da escola, organizou uma visita de 30 alunos da 5a série à reserva indígena. "O Vieira não quer alunos que pensem só em si, queremos que eles conheçam diferentes realidades e amadureçam", afirma. A garota Carolina Mendonça, 11, revela que, com a visita, conseguiu entender melhor os povos indígenas e define: "os índios são seres humanos que pensam mais na natureza e sabem ouvir melhor do que nós", diz.

Enquanto o índio Wakay corre atrás de parcerias, trabalha esporadicamente como ator, investe na sua carreira musical e se dedica ao trabalho com terapias alternativas, sua esposa, Ketsãn, 26, cuida da produção e venda do artesanato e das filhas, a pequena Yetsãmy, 9 meses, e Wykan, de 6 anos. São colares, cocares, brincos, pulseiras, entre outros apetrechos. Há também a produção de arcos e flechas " bastante cobiçados pelos estudantes que visitam a reserva " e outros símbolos da cultura indígena.

Segundo Ketsãn, a técnica do artesanato é uma prática que passa de geração para geração. "Aprendi com meus pais e com meus irmãos", conta. Quanto à venda dos produtos, ela garante que é muito incerto: "tem meses que vendemos bastante, mas tem outros que não vendemos nada". Lymbo também está investindo em sua carreira: no final do ano, concluirá seu curso de Pedagogia e já começou a atuar como educador no Colégio Social de Portão, escola coordenada por Débora Fontes, juntamente com um colegiado formado por professores, funcionários, alunos e pais. Lá, Lymbo ministra aulas de tupi para crianças e adolescentes que moram em Portão e outras localidades de Lauro de Freitas.

Apesar de sofrerem com a distância dos seus familiares, amigos, segredos e tradições, os índios garantem que o trabalho de conscientização que desenvolvem está valendo a pena. "Chega dessa história de acharem que o índio é inocentezinho, bichinho, que precisa de cuidados", enfatiza Wakay. Mas, para conseguirem sobreviver longe do restante da aldeia, precisam, com freqüência, voltar a Alagoas, para se reconectarem: "aqui na cidade é como se estivessem roubando nossa alma", desabafa Lymbo. Wakay complementa: "se tivéssemos meios assegurados de sobrevivência na tribo, com certeza eu não teria saído de lá".
 

Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.