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Índios fogem da miséria em aldeia e montam favela

28/11/2008

Autor: Osvaldo Júnior

Fonte: Midiamax News - www.midiamax.com



Há cerca de dois anos e meio, a paisagem de uma pequena região, que ladeia o bairro Tarsila do Amaral e as matas do Segredo, em Campo Grande, começou a mudar: de terra e mato para um aglomerado de minúsculos barracos, feitos de materiais recolhidos de lixões. Esse lugar é, por ora, uma grande aldeia improvisada, que reune índios Terena (a maioria), Guarani, Kadiwéu e Kaiowá - são perto de 60 famílias, fugitivas de outra miséria, a que existia em suas tribos originais. Algumas dessas famílias vêem, ansiosas, casas de alvenaria brotarem do chão em um ritmo aquém de suas necessidades.

Esse aldeião-favela recebeu, há sete dias, o seu novo membro: o indiozinho Ailson. A casa dele, a exemplo das demais, é um barraco, construído com compensado, paus e lona. São restos de material de obras, tirados de lixos e convertidos em lar. A mãe de Ailson, Vitoriana Paulina, 35, é de poucas palavras. Mesmo assim, ela fala sobre algo que os olhos confirmam facilmente: a situação de pobreza extrema.

Feliz com a chegada do filho, Vitoriana faz questão de apresentá-lo. Também mostra sua casa. A beleza da criança contrasta com a pobreza do lugar. Feita de peça única, o barraco comporta uma cama de casal, uma velha geladeira, um antigo fogão, uma cama de solteiro, uma TV, posta sobre um caixote de madeira e um banco. A presença de outro móvel não é impossibilitada apenas pela falta de recurso, mas também pela ausência de espaço.

Vitoriana, índia Terena, calcula que deixou a aldeia, em Aquidauana, há seis meses. Segundo ela, o conselho para a mudança veio da sogra, que acreditava que a vida na cidade era melhor. Por enquanto, a melhoria não chegou. Com o dinheiro minguado, os bens básicos também se tornam escassos. Ao falar das dificuldades, ela lembra que, por vezes, até a comida some. A renda da família é conseguida pelo marido. "Ele trabalha na horta", diz.

Da cana à verdura

A "horta", mencionada por Vitoriana, é o local de trabalho de outros índios, como Márcio Gonçalves, 32. "Dá pra tirar de 120 a 150 por semana", conta Márcio a respeito do ganho na horta - Vitoriana apresentara valor mais modesto, de R$ 50 a R$ 70.

Márcio mora com sua mulher, Luciana Dias Facuo, 23, em um barraco também construído com restos de obras. Uma cama de casal, uma geladeira e um fogão (todos velhos) formam a mobília. Antes, ele e a esposa moraram com a mãe e a irmã dele em outro barraco nas mesmas condições.

Eles deixaram uma tribo Terena, em Aquidauana, há quase dois anos. Márcio conta que trabalhava em usinas da região. O serviço era de empreita - as usinas contratavam os índios por um período de dois meses para cortar cana. A contratação temporária evitava vínculos empregatícios e dispêndios trabalhistas às usinas.

O trabalho árduo não era remunerado à altura - desproporção que pesou na decisão de Márcio de se mudar, com a família, para Campo Grande. Apenas o pai preferiu continuar na tribo. "Sempre que dá, eu vou lá", conta o índio, salientando sentir saudade. "É porque..." - faz uma pausa, pensa e conclui - "...lá é diferente". As diferenças, no entanto, não se estendem à renda - nos dois lugares, o dinheiro é curto. "Ah, dá pra gente comer, mas pra muita coisa não dá não", contabiliza.

Saúde e educação

"Quando chove com vento forte, eu morro de medo", diz a jovem avó, Rute Pereira, 35. O barraco, maior que a média (mas pequeno para a quantidade de pessoas na família), é dividido em três peças: quarto, cozinha e varanda. "Quase tudo foi feito com material do lixão", detalha a índia. Ela lembra que, certa vez, sua casa ficou tomada pela água da chuva - as muitas frestas tornam inevitável a entrada da água. As telhas, único material que não foi trazido do lixão, impediram um estrago maior.

Rute se tornou mãe muito jovem (com 17 anos). Ela tem sete filhos e um neto, de um ano e cinco meses. A criança nasceu da filha mais velha, que tem 18 anos. Com Rute, moram o marido e cinco filhos. Eles vivem com cerca de dois salários mínimos, oriundos de duas atividades: a de pedreiro, exercida pelo marido, e a de feirante, praticada pelo casal.

Na opinião da Rute, que é Terena como Vitoriana e Márcio, a maior dificuldade é relativa à saúde. "Aqui precisa de um posto de saúde", reclama. O posto mais perto fica a 50 minutos de caminhada. Em se tratando de unidade de 24 horas, a distância é muito maior. "O mais próximo é no [bairro] Nova Bahia. Um dia, minha mãe precisou ir lá e quando voltou já era de madrugada", lembra-se. Em sua lista de ausências, também consta uma creche e uma escola.

Urbanização

A área com os barracos é a parte ainda não-contemplada com casas populares, construídas pela Prefeitura Municipal de Campo Grande. Trata-se de uma "favela indígena". Os banheiros ficam do lado de fora. O lugar conta com fornecimento de água, mas a luz é "emprestada" da rede que serve as casas já prontas.

Nos quintais de alguns barracos, as casas - com três pequenas peças - estão com o alicerce e o contra-piso findados. Ao lado dessa área, estão casas em fases terminais e, pouco adiante, as já encerradas. Conforme as lideranças locais, a transformação da favela em uma aldeia urbana também é fruto da persistência dos índios em evitar o despejo da área invadida.

O lugar é uma aldeia urbana em gestação e avizinha outra aldeia, a Água Bonita, edificada pelo governo estadual. De acordo com o cacique Adilson Joaquim, essa já é a quarta aldeia urbana de Campo Grande. Expansão de moradias que pode ser vista como aceleração da urbanização do índio. Entretanto, há os que estão decididos a permanecerem aldeados ou que querem voltar para as aldeias de origem. "O meu pai é um deles", exemplifica o cacique da Água Bonita, Dionedson Cândido, que não acredita na urbanização completa dos índios.
 

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