De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Mônica Barroso, 2003

Shanenawa

Autodenominação
Shanenawa
Onde estão Quantos são
AC 769 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Pano
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A história do povo Shanenawa é comum àquelas vividas por grande parte das populações indígenas no Acre. No início do século 20 foram vítimas da rápida e violenta ocupação da região em função do extrativismo de caucho e seringa. No processo de desenvolvimento da economia regional, os Shanenawa foram inicialmente alocados como mão-de-obra para o fornecimento de carne e outros bens alimentícios aos trabalhadores dos seringais, sendo posteriormente integrados à lida na própria extração de borracha e à atividade de amansamento dos índios “brabos” do alto rio Envira.

Após alguns deslocamentos os Shanenawa passaram a viver em uma porção de terra que mais tarde foi homologada com o nome Katukina/Kaxinawa. Isso se deveu a um engano, pois eles foram confundidos com índios Katukina e chamados como tal. Com receio de perder o direito sobre suas terras, tendo em vista todo o histórico de violência e injustiça que sofreram, os Shanenawa resolveram não desfazer o mal entendido. Estudos lingüísticos realizados na década de 1990 comprovam esta situação, visto que a língua shanenawa é da família Pano e não Katukina.

Língua

Crianças Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Crianças Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

A língua Shanenawa pertence à família Pano e é falada, sobretudo, pelos mais velhos. Apesar de ter sido proibida na época em que trabalharam nos seringais, os Shanenawa jamais a esqueceram.

Os jovens e as crianças, embora entendam o idioma de seus pais, conversam entre si exclusivamente em português. A despeito disso, nota-se que entre os Shanenawa alguns membros mais velhos, aliados a jovens, demonstram forte engajamento na luta pela manutenção da identidade cultural do povo, e procuram sempre se comunicar em Shanenawa.

Além disso, as escolas das comunidades vêm sendo concebidas como espaço de aprendizagem da língua, em oposição ao processo de escolarização na cidade, que ignora não apenas o idioma, mas os modos de vida indígenas.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Projeto ‘Fortalecimento da cultura Shanenawa da aldeia Nova Vida’, enviado pela aldeia Nova Vida ao Prêmio Culturas Indígenas - Edição Xicão Xukuru, 2008]

Nome

O nome 'Shanenawa' etimologicamente é composto pelas formas shane (espécie de pássaro de cor azul) e nawa (povo “estrangeiro”). Assim, eles seriam o “povo pássaro azul”.

Os Shanenawa dizem que este é um pássaro difícil de ser visto, mas sua ocorrência é sinal de conflito, guerra entre grupos indígenas.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Projeto ‘Fortalecimento da cultura Shanenawa da aldeia Nova Vida’, enviado pela aldeia Nova Vida ao Prêmio Culturas Indígenas - Edição Xicão Xukuru, 2008]

Localização

Crianças Shanenawa brincando na beira do rio Envira, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Crianças Shanenawa brincando na beira do rio Envira, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

Os Shanenawa habitam a região centro-norte do Acre, à margem esquerda do rio Envira, no Município de Feijó. Sobre a sua origem, a literatura sugere que este povo não habitava a região do Envira anteriormente, embora haja relatos sobre vestígios de ocupação dessas terras em tempos mais remotos. Segundo índios mais velhos, os Shanenawa migraram para essa região, vindo de outras áreas situadas no alto rio Gregório, em virtude das Correrias (perseguições armadas aos povos indígenas que acompanharam a abertura e a instalação dos seringais no Acre, no final do século 19 e início do século 20). Os migrantes teriam ocupado por algumas décadas o território abrangido pelo alto do curso dos rios Juruá, Purus e Envira, este último no Município de Feijó, na divisa com o Sul do Estado do Amazonas.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

História do contato

Após três ou quatro décadas de perseguições e sofrimentos, decorrentes da violenta ocupação e exploração do Acre, teve início um novo período, que compreende as décadas de 1910 a 1980. Foi um período de fortalecimento das empresas seringalistas que se instalaram nos principais rios e abriram colocações para a exploração da borracha por toda a parte, restando pouco espaço para que pequenos grupos indígenas se refugiassem.

No processo de desenvolvimento da economia da borracha, os índios foram alocados como mão-de-obra para o fornecimento de carne de caça e outros produtos da alimentação e foram posteriormente integrados à lida do seringal e à própria extração da borracha. Além destas atividades, os Shanenawa também participaram do "amansamento" dos índios "brabos" – como eram chamados os índios não-contatados – da região do alto rio Envira.

Seus modos de vida passaram por uma reestruturação: a moradia foi transferida mais para o interior da floresta, onde há seringueiras. Houve uma maior fartura de caça, mas por outro lado, deixaram de lado o acesso à grande quantidade de peixes dos rios e as duas colheitas agrícolas que faziam durante o ano.

A época do declínio das atividades extrativistas abriu espaço para as atividades pecuárias na região, o que aumentou consideravelmente os conflitos pela posse de terra.

Em 1930, depois da ida de alguns índios Shanenawa para o rio Envira e após passarem algum tempo mais próximos às regiões de cabeceiras de rios, chegaram à cidade de Feijó para trabalhar em um seringal. A aldeia Morada Nova foi a primeira e, ainda em 2000, representava o maior núcleo habitacional dos Shanenawa. Pouco depois ela foi desmembrada e deu origem a outras três. Ainda nessa época percebia-se que essa aldeia exercia certa influência sobre as demais, embora fossem respeitados os espaços territoriais e sociopolíticos estabelecidos em cada uma delas.

Posteriormente, quando o seringal mudou de proprietário, foi permitido aos Shanenawa que morassem naquelas terras. Com a abertura da BR-364 e o agravamento dos conflitos entre índios e colonos, a Funai deu início ao longo processo de retomada das terras, que durou cerca de dez anos.

O atual território ocupado pelos Shanenawa foi ocupado no final da década de 1950, e foi incorporado como espaço onde passaram a exercer sua subsistência, sua organização social, política e cultural.

[Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Luta pela terra

Na época em que chegaram para explorar as terras acreanas os seringueiros se depararam com uma diversidade de indígenas na região, mas não se interessavam pelas distinções lingüísticas e culturais que eles apresentavam. Com alguns poucos nomes foram batizadas todas as populações indígenas, fazendo muitas vezes uma mesma denominação recair sobre grupos completamente diferentes.

Com a construção de vilas em territórios que antes viviam populações indígenas, os Shanenawa perderam seu espaço e não tinham lugar para se estabelecerem. Tiveram que trabalhar na coleta de borracha como empregados dos brancos para sobreviver. Mesmo assim, esses “donos dos seringais”, quando não tinham mais serviços, os expulsavam da terra. E isso ocorria em todos os lugares em que o grupo chegava, pois só podia ficar no seringal enquanto havia trabalho.

Os Shanenawa contam que insistiram muitas vezes com as autoridades do Estado do Acre com relação à necessidade de terem um lugar para morar. Alegaram que seu povo estava morrendo por doenças, fome e até a mando dos “patrões” quando resistiam à ordem de sair. Após algum tempo eles encontraram um documento que comprovava sua ocupação na terra - segundo relatório do CIMI (1976). O documento referido diz que eles estavam morando em um pedaço de terra que pertencia ao governo – o governo havia comprado o seringal e fez diversas doações, inclusive para os caboclos. Trata-se de um documento provisório que foi substituído por um título de terra quando a demarcação da Terra Indígena foi efetivada.

Depois de algum tempo de contato com os colonos da região, os Shanenawa descobriram que estavam sendo considerados Katukina e não Shanenawa, seu nome originário. O engano parece ter se originado de uma placa colocada na aldeia, de frente para o rio Envira, na qual o grupo é identificado pelo nome de Katukina. Posteriormente, decidiram conferir qual o nome que constava no documento da terra e descobriram que ali também estava registrado o nome Katukina.

Percebendo o engano, alguns Shanenawa chegaram a procurar as autoridades, mas foram informados de que caso insistissem que não eram Katukina acabariam por perder a terra. Tendo em vista todas as dificuldades pelas quais passaram, julgaram que o erro do etnônimo não merecia maiores preocupações, pois o que eles necessitavam mesmo era da terra.

[Maria Sueli de Aguiar, 1992; Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Cosmologia e rituais

Observa-se de maneira muito firme a crença dos Shanenawa na existência de espíritos da floresta, os jusin. Esses espíritos estão fora da natureza e do humano, sendo, portanto, sobrenaturais e sobre-humanos. Existem os jusin do bem e os do mal. O principal deles é chamado jusin tsaka que, como relatam os índios, tem a forma de um animal monstruoso que por onde passa destrói e incendeia todas as coisas. Os Shanenawa dizem que é muito comum encontrar as pegadas do jusin tsaka nas manhãs, já que o espírito só “ataca” à noite. Os adultos usam a figura desse jusin para assustar as crianças e fazer com que lhes obedeçam.

Os Shanenawa fazem uso da ayahuasca, (chamado de umi na língua indígena), bebida à base de uma espécie de cipó e folhas alucinógenas que provoca visões. Por meio dessas visões eles se comunicam com os espíritos de seus ancestrais e obtém ajuda para resolver seus problemas. O umi também é usado como remédio, pois crêem que ao ingeri-lo terão saúde para o corpo.

Os índios afirmam não haver um xamã na comunidade. Por outro lado, a medicina de ervas é muito rica e possui remédios para quase tudo. Na fauna, o remédio mais procurado é o veneno ou a vacina do sapo. Os índios aplicam a substância, que é colhida de uma espécie rara de sapo, a phyllomedusa bicolor, e aplicam nos braços em três pontos feitos com fogo. Em poucos minutos vomitam tudo o que têm no estômago e, assim, renovam as forças e a disposição para o trabalho. Ao veneno do sapo é ainda associada a propriedade medicinal de acabar com a preguiça e com a panema, termo emprestado do Nheengatu, que significa falta de sorte na caça.

Após o início dos intensos contatos com os não-índios, muitos Shanenawa passaram a manifestar crenças em religiões como a Católica.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

O Mariri e as brincadeiras shanenawa

Ainda com relação a rituais tradicionais, há registros de aspectos bem interessantes. Um deles é o mariri, palavra emprestada do Nheengatu para designar um evento típico entre os Shanenawa e entre outras populações Pano. O mariri não tem data para acontecer, porém é mais comum ocorrer no verão acreano, período de raras chuvas, que vai de abril a setembro, facilitando dessa forma, o trânsito nas aldeias devido à inexistência de lama. Qualquer membro do grupo pode participar da dança, desde que ensaie as cantigas ensinadas por seus antepassados. Para o mariri, os membros pintam-se com urucum e jenipapo e vestem um saiote feito com tiras de envira. Em tempos de mariri, muitos outros eventos são registrados como o ato de fantasiar-se de jusin tsaka, que os índios interpretam como “lobisomem”. Geralmente, um dos homens cobre-se de galhos de árvores e folhas de bananeira e entra no meio dos dançarinos, assustando a todos.

Outra atividade que ocorre ainda dentro dos eventos do mariri é a “brincadeira da cana-de-açúcar”. Esta se desenrola em torno de um dos homens que disputa um pedaço de cana-de-açúcar com uma ou mais mulheres. Às mulheres é permitido usar todas as forças para arrancar o pedaço de cana do homem, mas estes não podem agir com violência física, apenas verbal.

Outra brincadeira muito apreciada é a do “pau de sebo”. Os índios passam sebo em um pau muito comprido fincado no chão em forma de estaca e, na ponta, colocam uma prenda. Aquele que conseguir chegar ao topo sem escorregar, leva a prenda. Não se sabe se os índios aprenderam a brincadeira com os não-índios ou vice-versa. É certo, entretanto, que o “pau de sebo” pode ser visto em várias regiões do Brasil e também no Peru por ocasião da “malhação do Judas”. Assim, provavelmente seja a segunda explicação a mais provável.

Entre outras atividades, os Shanenawa praticam, ainda, o tiro de arco e flecha e a natação como competição, costumes muito apreciados e mantidos com orgulho por esse povo. Praticam também o futebol. Para esse esporte, possuem pequenos campos nas aldeias que aos sábados são bastante utilizados. Disputam jogos com times formados por jogadores das próprias aldeias ou, em ocasiões festivas, enfrentam equipes de outras etnias.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

Moradia

Casas na aldeia Morada Nova do povo Shanenawa, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Casas na aldeia Morada Nova do povo Shanenawa, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

Apesar de nos últimos anos ter aumentado a construção de casas de madeira trabalhada e telhado de alumínio semelhantes às dos não-índios e que são bastante vistas na zona urbana acreana, ainda predominam nas aldeias indígenas casas inspiradas na arquitetura dos seringueiros, do tipo palafita, feitas com madeira a cerca de 40 centímetros de altura do solo e cobertas com palha de envira armada.

Os Shanenawa moravam em cupixauas, que eram grandes construções indígenas feitas de palha, onde geralmente moravam todas as famílias de um clã. A cozinha é o local mais exposto da casa e é nela que se recebem as visitas. As palhetas de amassar banana e macaxeira, os utensílios domésticos são semelhantes aos utilizados por não-índios e os alimentos são preparados em fogo à lenha.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Atividades econômicas e alimentação

Mulher Shanenawa preparando alimento, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Mulher Shanenawa preparando alimento, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

Os Shanenawa dedicam-se à economia de subsistência e para complementar a alimentação, compram alguns itens na cidade. Fazem roçados em locais próximos às aldeias, escolhidos em pontos adequados, mais altos e bem drenados, e lá cultivam principalmente macaxeira, banana, milho e amendoim. Em uma escala menor, também plantam batata-doce, inhame, abóbora, cará, cana-de-açúcar e, ainda, algumas frutas como mamão e melancia. Além disso, consomem frutos que coletam, como é o caso do caju, da manga, do ingá, entre outros. Nos meses de dezembro até abril é possível encontrar açaí, que é coletado em quantidade e com grande freqüência, sendo apreciado por todos os Shanenawa. O coco jaci também é muito apreciado, e é coletado constantemente e comido cru ou assado. Sua produção é maior nos meses de fevereiro e março. Os temperos mais usados são a pimenta malagueta tradicional, o sal, o urucum, o alho e principalmente a pimenta do reino, que é parte integrante da culinária regional acreana.

Os Shanenawa também criam pequenos animais. O único alimento de manufatura artesanal é a farinha, muito apreciada e produzida em pequena escala, para atender ao consumo doméstico.

O cardápio principal dos Shanenawa é composto de peixe, macaxeira e mingau de banana. A influência da culinária não-indígena está no uso do sal marinho e no consumo de arroz, feijão e carnes diversas (principalmente de pato), alimentos comprados geralmente nos mercados de Feijó, bem como no preparo de certos pratos, como as carnes, por exemplo.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Roça

O roçado shanenawa é bem diversificado, possuindo grande variabilidade de espécies e de variedades relacionadas a cada tipo de alimento. Plantam, sobretudo, milho, banana, macaxeira, inhame, abóbora, batata doce e arroz. Em alguns casos a roça é derrubada conjuntamente e depois de queimada é dividida pelas famílias nucleares para realizarem o cultivo.

[Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Caça

A caça na região é escassa, mas quando possível se restringe à captura de animais e aves de pequeno porte, como lagartos, rãs, entre outros. Há algumas estratégias distintas para aquisição de carne: práticas tradicionais de caça, criação de pequenos animais domésticos – ocasionalmente o abate de um boi, mais comum para festas ou comemorações – ou a compra de peixe ou carne de porco e de boi na cidade.

Em épocas distintas são realizadas excursões a locais próximos ao rio Envira, onde residiram anteriormente, para promover caçadas e pescarias.

Entre os Shanenawa não se usa mais cachorro para auxiliar nas caçadas, o que melhorou gradativamente a aproximação da caça. Cada aldeia tem seus próprios barreiros (locais onde os animais vão beber água principalmente na época das chuvas e lamber os barrancos em busca de sal). A caça é mais promissora na época das chuvas, principalmente nas estiagens mais ou menos curtas. Nessas épocas os rastros são mais fáceis de serem identificados e também há abundância de alimentos.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Pesca

A pesca também faz parte de seus costumes, mas como os peixes do rio Envira estão escassos na área em que habitam, essa atividade tem sido bastante reduzida em certas épocas do ano. Há notícias, contudo, de que as lideranças têm entrado em contato com especialistas em Engenharia de Alimentos a fim de executarem um projeto que faça com que o Envira volte a ser um rio de águas piscosas. Na pesca, a tarrafa é o instrumento preferido, mas às vezes utilizam-se do timbó, que é uma substância jogada no rio para fazer com que os peixes fiquem atordoados e subam à superfície, onde serão facilmente coletados.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

Caiçuma

No que se refere às bebidas, a mais apreciada pelos Shanenawa é a caiçuma (termo de provável origem no Nheengatu) que pode ser de macaxeira ou de banana. O preparo desta última é muito simples: após cozinhar e amassar a banana com água, basta deixar fermentar por pouco tempo. Já a caiçuma de macaxeira, além de passar pelo processo de cozimento, é mascada, coada e fermentada por pelo menos 24 horas. O teor alcoólico dessas duas bebidas é bastante baixo, já que são consumidas imediatamente após o preparo. Entretanto, também é comum o consumo da caiçuma azeda, que tem um alto teor alcoólico, visto que seu tempo de fermentação é superior a três dias.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

Restrições alimentares

Ainda que não façam mais com regularidade, alguns períodos da vida dos Shanenawa são fortemente marcados pelas restrições a certos alimentos, como é o caso das mulheres grávidas e daqueles que eram treinados para serem pajés. Estes últimos passavam um grande período na floresta, e nesta ocasião que durava um ano e seis meses, se alimentavam apenas milho assado e tomavam caiçuma de milho. Quando bebiam umi (vegetal da floresta), alimentavam-se de coisas leves, como milho, banana e mandioca assada. O vegetal ensina como curar uma doença e a partir daí iam se formando pajés definitivos na comunidade.

Tradicionalmente, quando a mulher está gestante, procura comer banana, mandioca, farinha, inhame, batatas, carne, peixe, mamão e outras frutas. Só evita comer carnes mais remosas. Durante o período de amamentação reforça a dieta com caiçuma de milho, macaxeira, banana e caldos diversos.

Faz parte de seus costumes não comerem carne de urubu, preguiça, mambira, mucura, cobra e alguns frutos do mato. Muitas pessoas não comem carne de ovelha e os mais velhos não comem carne de gado, pois dizem que dá dor de cabeça e febre, pois o gado é criado no sol do campo.

[Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Artesanato

Os homens têm o costume de fabricar conjuntos decorativos de arco e flecha para venderem fora do município. As mulheres fazem colares, pulseiras, saias, chapéus, cestas e vasos de cerâmicas. A produção é intermediada para fins de comércio pela Associação Shanenawa da Aldeia Morada Nova (ASAMN), com o intuito de auxiliá-los no processo de distribuição e venda destes produtos.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Cely Melo de Almeida, 2002]

Organização social e política

Índios Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Índios Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

A organização familiar shanenawa é baseada em núcleos compostos por um casal de velhos, do(a)s filho(a)s solteiro(a)s, dos filhos casados e suas esposas, netos e filhos de criação.

Estão organizados em cinco clãs: Waninawa (povo da pupunha), Varinawa (povo do sol), Kamanawa (povo da onça), Satanawa (povo da ariranha) e Maninawa (povo do céu). Os filhos são membros do clã da mãe e como regra, em geral, só podem casar com indivíduos pertencentes ao mesmo clã. Mas isso, às vezes, não acontece, já que há muitos matrimônios interétnicos e de índios com não-índios. As famílias são monogâmicas, embora haja notícia de que no passado o chefe tivesse o costume de ter até três mulheres.

Os Shanenawa possuem uma organização centralizada na figura do chefe, cujo cargo é hereditário. À liderança cabe o dever de se dedicar inteiramente aos interesses da comunidade representando-a em contatos com autoridades públicas dos não-índios. O chefe tem poder de decisão, embora atualmente as decisões mais importantes sejam tomadas de forma coletiva em reuniões com outros importantes membros do povo.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004; Carlos Antônio Bezerra Salgado, 2005]

Outras formas de organização

Os Shanenawa, juntamente com outras etnias da região, criaram uma organização que é muito atuante na defesa dos interesses indígenas: a Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE). Além disso, esses índios aparentemente estão engajados nos processos políticos nacionais, sendo que um número considerável deles está filiado a partidos políticos.

[Cely Melo de Almeida, 2002]

Nominação

Crianças Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003
Crianças Shanenawa, aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, Feijó, Acre. Foto: Mônica Barroso, 2003

As crianças shanenawa recebem nomes em sua língua materna de acordo com algumas regras bem definidas. Entretanto, todos possuem um nome não-indígena devido ao registro civil. Ao que parece, essa obrigação civil não os aborrece, pois parecem gostar dos nomes de outras origens. É notável, aliás, que utilizam mais o nome não-indígena, mesmo em situações informais. A atribuição do nome em português não obedece a nenhum padrão. Qualquer pessoa pode sugerir um nome para a criança recém-nascida, o qual, em geral é bem recebido, sobretudo se for inédito na aldeia. Ao primeiro nome acrescenta-se o sobrenome português do pai e da mãe.

Já no caso do nome indígena, existem regras muito rígidas para sua escolha, pois é necessário que os nomes se repitam através das gerações e pertençam a um conjunto comum que os Shanenawa preservam. Isto significa que os pais escolhem para os filhos os nomes de seus próprios parentes segundo orientações bem definidas.

[Gláucia Vieira Cândido, 2004]

Fontes de Informação

  • AGUIAR, Maria Sueli de. Os grupos nativos "Katukina". São Paulo-SP: IEL-UNICAMP, 1992.
  • ALMEIDA, Cely Melo de. “Shanenawa: um povo de luta”. In: Povos do Acre – História Indígena da Amazônia Ocidental. Rio Branco, Acre, 2002.
  • CÂNDIDO, Gláucia Vieira. Descrição Morfossintática da Língua Shanenawa (Pano). Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP: [s.n.], 2004.
  • _____________________. “Projeto Fortalecimento da cultura Shanenawa da aldeia Nova Vida”. In: Prêmio Culturas Indígenas – Edição Xicão Xukuru. São Paulo, SESC-SP, 2008.
  • SALGADO, Carlos Antônio Bezerra. Segurança alimentar em terras indígenas: os Shanenawá no rio Envira – Acre. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Acre, Rio Branco-AC, 2005